PIRACICABA, SEGUNDA-FEIRA, 23 DE DEZEMBRO DE 2024
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21 DE JUNHO DE 2024

Achados: contra o lucro, Piracicaba proibiu carrossel em área pública


Tentativa de empresário em instalar atração foi frustrada pela classe política, que só permitiu equipamento em terreno particular



EM PIRACICABA (SP)  

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Instalação de carrossel em Piracicaba mobilizou Intendência Municipal e Câmara Municipal. CRÉDITO: imagem gerada com o uso de inteligência artificial.



Comuns no século 19, os cavalinhos de pau movidos por tração a vapor podem ser considerados os precursores do que hoje se conhece como carrossel. No início do século 20, empresas de espetáculos de cavalinhos de pau percorriam o Estado de São Paulo, instalando-se por um período numa cidade, vendendo a diversão aos moradores e, na sequência, indo a outra localidade, onde reproduziam o modelo de negócio.

Dentre os profissionais desse ramo de diversões, Gumercindo Dança e Filho, residentes de Santos e proprietários do Circo Sul-Americano, chegavam em Piracicaba no início de abril, em 1901.

Ao chegarem, fizeram uma solicitação, datada de 3 de abril, endereçada ao Intendente Municipal, solicitando licença para “armar no Largo Municipal desta cidade um circo de cavalinhos de pau por tração a vapor, com o fim de diversão infantil”.

O intendente, Sr. Aquilino José Pacheco, se mostrando impressionado e desgostoso com os altos lucros que a empresa de cavalinhos anterior levou embora da cidade, remeteu o pedido à Câmara, nos seguintes termos: “Ao presidente, para resolver”.

Talvez prevendo que não teria facilidade para conseguir a autorização desejada, Gumercindo resolveu buscar auxílio de um advogado para defender seus interesses na cidade.

No dia 4 – seguinte à solicitação feita ao intendente – e tendo em vista o despacho ao presidente da Câmara, Gumercindo assinou uma procuração ao advogado Sr. Antonio Pinto de Almeida Ferraz, “especialmente para requerer à Câmara Municipal” a licença que se pretendia. À frente do caso, Almeida Ferraz foi tratar verbalmente com o presidente da Câmara, que disse concordar com as preocupações do intendente.

Havia, assim, a possibilidade de o pedido ser negado e também de ser editada uma norma proibindo o divertimento na cidade.

Diante desse risco, o advogado argumentou, através da imprensa, mais especificamente do Jornal de Piracicaba, edições de 7 e 9 de abril, que, de acordo com as Constituições Federal e Estadual, era garantido aos proprietários das empresas de cavalinho o livre exercício da profissão, desde que obedecessem às leis de polícia e higiene.

De forma a tentar assegurar que o empreendimento de seu cliente não iria causar nenhuma perturbação de ordem pública e nem sanitária, no dia 7 de abril Almeida Ferraz remete um ofício ao delegado de polícia, solicitando que este lhe respondesse a três perguntas: “1º. Durante o tempo em que funcionaram nesta cidade, no Largo Municipal, os cavalinhos de pau, houve por causa deles alguma perturbação da ordem pública? 2º. O espetáculo dos cavalinhos de pau ofendia a moral? 3º. O mesmo espetáculo era prejudicial à saúde pública?”.

Rápido feito um corcel, o delegado Eloy Febeliano da Costa responde já no dia seguinte, 8 de abril, nos seguintes termos: “1º. Durante o tempo em que funcionaram nesta cidade, no Largo Municipal, os cavalinhos de pau, não houve por causa deles nenhuma perturbação da ordem pública. 2º. O espetáculo dos cavalinhos de pau não ofendia a moral. 3º. Não devo responder a este quesito por não me julgar competente para o fazer”.

Munido de seus artigos do jornal e das afirmações do delegado, o advogado Almeida Ferraz, no dia 12 de abril, endereça uma petição à Câmara, em que expõe seus argumentos e afirma que “Gumercindo Dança e Filho não poderiam se conformar com o despacho do honrado representante do Executivo local, que, por uma tangente, declinou de sua responsabilidade, tanto da concessão como da negação da licença”.

Em anexo ao pedido, Almeida Ferraz juntou a procuração assinada por Gumercindo e também os recortes de jornais contendo os textos publicados por ele, Ferraz. Quatro dias depois, em 16 de abril de 1901, a Câmara realizou Sessão Extraordinária e, no expediente da sessão, foram lidos os documentos que estavam dando entrada na Casa. Dentre esses documentos, constava o “requerimento dos cidadãos Gumercindo Dança e Filho, por seu procurador, Dr. Antonio Pinto de Almeida Ferraz, pedindo consentimento para fazer funcionar seus cavalinhos de pau”.

Logo após ser recebido, o pedido recebeu o seguinte despacho de Paulo de Moraes Barros, presidente da Câmara: “À Comissão de Obras Públicas e Finanças”. Na Sessão Extraordinária seguinte, em 29 de abril, a comissão emitiu sua manifestação em que diz que “entende que, não a ela, mas à Comissão de Polícia e Higiene incumbe emitir parecer sobre o caso”.

Na mesma sessão, acatando o direcionamento da comissão, o presidente da Casa determina que “seja distribuído à Comissão de Polícia e Higiene”.

Pouco mais de 40 dias depois, na Sessão Ordinária de 10 de junho, a Comissão de Polícia e Higiene emite seu parecer. Dessa manifestação, destaca-se a parte final, onde a comissão alega e conclui o seguinte:

“Os cavalinhos de pau e congêneres diversões não devem figurar na mesma classe de espetáculos que os das companhias dramáticas, líricas, de zarzuelas, e mesmo equestres, acrobáticas etc., porque estas apresentam sempre, em maior ou menor escala, um fundo artístico que contribui para a educação do povo, o que absolutamente não ocorre com aquelas. Estas, se auferem lucros importantes, contribuem com somas avultadas, relativamente, para o comércio e indústria locais, já com os aluguéis de casa, ou com a pensão em hotéis e hospedarias, já com a compra de objetos e artigos de uso diário, já com o pagamento de imposto etc., de sorte que dos lucros auferidos, uma boa parte fica no próprio município, convindo notar que estas companhias exigem pessoal numeroso. Os cavalinhos de pau são explorados por um ou dois indivíduos, quase sempre com um número de empregados igual ao dos empresários, de sorte que os lucros que auferem em nenhum benefício redunda para o município, e esses lucros, relativamente fabulosos, são extorquidos das classes menos favorecidas, que, esquecidas momentaneamente das necessidades de suas economias para a sustentação da família, para pagamento de dívidas já feitas com essa sustentação, vão com elas pagar uma diversão inútil, com prejuízo daqueles que lhe fornecem o sustento diário. No fim de pouco tempo de funcionamento os felizes empresários vão-se com as algibeiras recheadas, enquanto no município ficam as classes produtoras, as classes laboriosas, as classes úteis, lutando desesperadamente pela vida. É, pois, legítima a intervenção municipal para impedir ou dificultar o funcionamento neste município dos cavalinhos de pau. Nestas condições, a comissão entende que deve ser proibido o funcionamento dos cavalinhos de pau e diversões congêneres em largos ou praças públicas, e que nos terrenos particulares só possam funcionar mediante uma taxa elevada, que a Câmara, em sua sabedoria, fixará.”

Montada nesses argumentos, a Comissão de Polícia e Higiene apresentou, junto ao parecer, um projeto de lei disciplinando o assunto.

À galope, esse projeto foi aprovado em primeira e segunda discussão nesse mesmo dia, dispensando o costumeiro intervalo entre uma votação e outra.
Cinco dias depois, no dia 15 de junho de 1901, era editada a “Lei sobre espetáculos de cavalinhos de pau”, com o seguinte teor:

“Artigo 1º Os espetáculos de cavalinhos de pau e de diversões congêneres só são permitidos em terreno particular.

Artigo 2º Os empresários destas diversões pagarão, por dia de funcionamento, o imposto de duzentos mil reis.

Artigo 3º. Revogam-se as disposições em contrário.”

Por pouco mais de dois meses, desde o início de abril até meados de junho, os cavalinhos de pau de Gumercindo Dança e Filho ficaram desmontados, à espera de uma definição sobre seu funcionamento. Após a aprovação da lei, a ideia de montá-los em praça pública teve de ser abandonada.

Se quisesse ver os cavalinhos de pau em funcionamento, Gumercindo, dançando conforme a música, haveria de instalá-los em área particular.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. A iniciativa do Setor de Documentação em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara às sextas-feiras, visa tornar acessíveis ao público as informações do acervo da Casa de Leis.



Texto:  Bruno Didoné de Oliveira
Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa:  Bruno Didoné de Oliveira




Achados do Arquivo Documentação

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