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21 DE FEVEREIRO DE 2025
Processo-crime sob a guarda do Setor de Gestão de Documentação e Arquivos é o destaque desta semana da série Achados do Arquivo
Antonio Rocha desferiu um tiro no rosto de Joaquim dos Santos por ciúme de Sebastiana Maria de Oliveira. CRÉDITO: imagem ilustrativa gerada por Inteligência Artificial
Dia 12 de abril de 1879. Um barulho de tiro ecoa pelo Bairro Alto, oriundo da casa de Sebastiana Maria de Oliveira; de lá sai em fuga Antônio da Rocha, o réu deste processo, em um crime de ciúmes ocorrido na Piracicaba do Século 19. O auto de corpo de delito, feito por dois peritos, revela que o tiro ouvido pela vizinhança do bairro tinha como alvo o rosto de Joaquim dos Santos.
Esse processo-crime é o destaque da série Achados do Arquivo nesta semana, uma parceria do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo e o Departamento de Comunicação Social. Os documentos são parte do acervo doado pela família de Jair Toledo Veiga e estão disponíveis, na íntegra, no Acervo Histórico da Câmara Municipal de Piracicaba.
Diz o autor do processo-crime:
“(...) examinando o ofendido Santos encontraram-no com a face completamente banhada em sangue, e soltando frequentemente grunhidos profundos com os quais parecia revelar dor intensa, em seu sofrimento. Observado o ponto principal das lesões, encontraram na face esquerda um ferimento de forma arredondada e de bordas irregulares, e cujos os tecidos adjacentes se achavam em dilaceração, além de uma parte carbonizados, este ferimento podiam calcular o seu diâmetro em virtude da forma arredondada em um centímetro mais ou menos (...)” (em transcrição livre)
Instaura-se o inquérito policial e dias após o crime as primeiras testemunhas são inquiridas. Entre elas, Sebastiana Maria de Oliveira, a dona da residência onde tudo ocorreu. Segundo ela, naquele dia, Antônio da Rocha estava na casa dela, quando chegou Joaquim dos Santos, que cumprimentou a todos com bons modos e saiu depois de buscar algumas roupas. Mas pouco tempo depois, Santos retornou e, sem dizer uma palavra, começou a agredir Antônio. Quando ela correu para aparar o conflito, ouviu o som de um tiro. É também Sebastiana que expõe o possível motivo da contenda: ciúmes.
“o motivo em concorreu para dar-se o fato constante do processo foi proveniente de relações amorosas que tanto o ofendido como Antônio da Rocha entretinham com ela depoente e que a pesar de ambos se tratarem bem em sua casa esta testemunha (...?) soube depois do facto criminoso que o ofendido e Antônio da Rocha tinham ciúmes dela depoente” (em transcrição livre)
Outros testemunhos corroboram com a versão apresentada, como Angélica Maria Cardoso, que estava na sala da casa de Sebastiana “picando fumo”, quando chegou Joaquim dos Santos, que se dirigiu a Antônio e deferiu bordoadas nele. Logo depois, Angélica viu um clarear e o estampido e um tiro que “afundou o rosto” do ofendido. Pedro Joaquim, que estava na vizinhança, disse que ouviu o som do tiro e que os homens envolvidos frequentavam a casa de Sebastiana. Anna Maria de Jesus, moradora da rua Direita, também ouviu o tiro, e relatou que ouviu da própria Sebastiana que o motivo da briga era ciúmes que ambos tinham dela. A suposição de ciúmes como motivador do crime também foi exposta por outro vizinho, Manoel Joaquim Alves, já que os dois homens frequentavam a casa de Sebastiana.
Com o depoimento das testemunhas e o exame de corpo de delito, o libelo crime acusatório foi expedido em 13 de setembro de 1879. No documento, o promotor público expõe o que pretende provar contra o réu Antônio da Rocha, resumindo os fatos e o pedindo a condenação no máximo das penas do artigo 205 do Código Criminal, por concorrerem com os agravantes do artigo 16, parágrafos 1º e 5º.
Mas dentre todos os testemunhos e depoimentos, uma versão ainda não havia sido apresentada: a do próprio Antônio da Rocha, que, àquela altura do processo, ainda não havia sido encontrado (portanto, tampouco detido).
Foi apenas em julho de 1880, mais de um ano após o crime, o réu é recolhido à prisão e finalmente é interrogado pelas autoridades:
“que num sábado, de mês que não se recorda, do ano passado, achava-se ele interrogado em casa de Sebastiana Maria de Oliveira, quando aí chegou o ofendido Joaquim dos Santos, ele interrogado depois de retribuir ao cumprimento daquele, convidou-o para entrar e sentar-se, ao que o ofendido não aceitou, por dizer que [ainda] ao teatro, pediu uma camisa a Sebastiana, e recebendo-a saiu; uma hora depois, voltou e chagando a Sebastiana disse a ela que fosse buscar seu cacete, e em quanto esta pegava em um lampião para entrar na alcova, o ofendido precedeu-a e voltando com um cacete chegou-se a ele interrogado que se achava recostado em uma janela e deu-lhe uma cacetada, dizendo-lhe ao mesmo tempo – puxe o teu revolver, filho da puta – e continuou a dar-lhe mais duas bordoadas, que todas ele interrogado aparou com o braço, depois da terceira bordoada, vendo ele interrogado que Santos não o atendia e que queria continuar a dar-lhe bordoadas, puxou por uma pistola, e desfechou-a sem fazer pontaria. Respondeu mais que entre ele interrogado e o ofendido não havia questão alguma, e que ele atribui a agressão do ofendido a ciúmes dele interrogado com Sebastiana” (em transcrição livre)
O tribunal de júri foi instaurado em 17 de julho de 1880 e após todos os ritos, como o sorteio dos jurados, acusação, defesa, réplicas e tréplicas, tem-se o veredito: absolvição. O júri havia, por unanimidade de votos, concordado que o tiro disparado por Antônio da Rocha contra Joaquim dos Santos era um fato criminoso, mas que foi cometido em defesa própria.
É importante salientar que os autos não deixam claro se Joaquim dos Santos havia morrido, ou se teria ficado ferido. Não é possível chegar a uma conclusão, com base nas informações contida nos documentos que estão sob guarda do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara. Fato é que, com sentença e alvará de soltura, chega-se ao fim a história de um crime de ciúmes em Piracicaba, registrada em processo-crime do Século 19.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.