PIRACICABA, SÁBADO, 1 DE MARÇO DE 2025
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26 DE FEVEREIRO DE 2025

Rainha esquecida do samba: o ‘não achado’ de Madrinha Eunice


Nascida em Piracicaba, a compositora e sambista é reconhecida, em São Paulo, como a fundadora da primeira escola de samba da capital paulista



EM PIRACICABA (SP)  

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Uma estátua em São Paulo, um silêncio em Piracicaba: Madrinha Eunice é rainha esquecida do samba na Noiva da Colina. Crédito da foto: Rovena Rosa/Agência Brasil



Nas ruas de Piracicaba, entre as esquinas do passado e as memórias soterradas pelo tempo, viveu uma menina que, sem saber, mudaria a história do Carnaval paulistano. Deolinda Madre, conhecida como Madrinha Eunice, nasceu em 14 de outubro de 1909, mas sua cidade natal pouco se lembra dela. Saiu da Noiva da Colina criança, aos 11 anos, e de maneira independente construiu uma história e um legado que são até hoje reverenciados na capital: a fundação da primeira escola de samba da cidade, a Sociedade Recreativa Beneficente Esportiva Escola de Samba Lavapés, um marco para a cultura popular brasileira.

Nesta sexta-feira de Carnaval, a série “Achados do Arquivo” não traz um documento revelador ou uma relíquia resgatada do acervo da Câmara Municipal de Piracicaba. Pelo contrário. Desta vez, não houve achado, mas uma ausência gritante. “Não é um ‘Achados’ porque nada foi encontrado no acervo, seja por ainda não ter sido localizado, seja por não existir. Mas é um tema que merece ser recordado e uma pessoa que merece ser exaltada”, destaca Giovanna Calabria, chefe do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara.

Se em Piracicaba, pouco se sabe sobre Madrinha Eunice, a história dela também surge como uma referência da cultura popular no País. O site Primeiro Negros, que é voltado para o resgate da história dos negros, detalha que, em 1936, Eunice viajou ao Rio de Janeiro e se encantou com o desfile da Unidos de São Carlos, uma escola de samba vermelha e branca que, mais tarde, se tornaria a Estácio de Sá. Inspirada pelo brilho dos tamborins e pelo som dos surdos que ecoavam na Praça Onze, ela retornou a São Paulo e fundou sua própria escola, em 9 de fevereiro de 1937, levando consigo a mesma paixão e cores. 

Mas a ‘Escola de Samba Lavapés’ precisou esperar 18 anos até seu primeiro desfile oficial,  que acontecem somente no ano de 1955 e foi realizado no Parque Ibirapuera.

A trajetória de Madrinha Eunice – que faleceu em abril de 1995 – foi de luta e resistência. A matéria do site Primeiros Negros detalha ainda que ela era uma “mulher de terreiro, de reza forte, empreendedora, quitandeira e militante do movimento negro”. Em resumo: a vida desta piracicaba ilustre foi um testemunho da força feminina negra no Brasil. 

“A gente aprende, com Madrinha Eunice, que fazer carnaval não é só a brincadeira, mas é também o louvor aos orixás", explica Carminda Mendes André, pesquisadora do Instituto de Artes da Unesp e uma das idealizadoras do documentário Lavapés: Ancestralidade e Permanência, lançado em 2017 e que está disponível no Youtube.

Enquanto Piracicaba esqueceu a filha ilustre, a cidade de São Paulo eternizou a história da sambista, compositora e feminista publicamente. Em 2 de abril de 2022, uma escultura de Madrinha Eunice foi inaugurada na Praça da Liberdade, tradicional ponto turístico da capital. Criada pela artista visual Lídia Lisboa, a obra – uma mulher dançando, de saia rodada, turbante, colares e pulseiras – é um marco da ancestralidade negra na terra da garoa.

Ainda utilizando como fonte a matéria do site Primeiros Negros, que se define como "acervo ancestral" e busca o combate ao racismo através da informação, Madrinha Eunice foi uma mulher de independência feroz, e que também reflete o quanto o feminismo das mulheres negras e latinoamericanas são silenciados na luta política diária do País.

“Normalmente, quando a gente começa a falar sobre o movimento feminista, vamos muito nos anos 1960, nos Estados Unidos, com as mulheres brancas... E quando a gente se depara com a história da Madrinha Eunice, vemos a história de uma mulher que não se submeteu, por exemplo, a se manter com o marido, porque tinha a sua própria história. Era uma mulher de espírito independente”, analisa a pesquisadora Carminda Mendes.

Um chamado ao resgate da memória - O Carnaval está nas ruas, vibrante, colorido, pulsante. Milhões de brasileiros celebram a festa que é a alma do país, mas quantos conhecem aqueles que pavimentaram seu caminho? A história de Madrinha Eunice não deveria ser um "não achado". Seu nome deveria ecoar pelas ruas da cidade onde nasceu, onde seu grito de independência e resistência deveria ser lembrado como um dos pilares da cultura popular brasileira.

Na sexta-feira de Carnaval, enquanto os tamborins esquentam e os sambistas se preparam para brilhar, que Piracicaba olhe para sua filha esquecida e a reconheça como merece. A memória de Madrinha Eunice está viva em cada surdo que ressoa, em cada baiana que gira, em cada passo marcado na avenida. Que sua cidade natal, um dia, possa dançar ao som do samba que ela ajudou a construir.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.



Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337


Achados do Arquivo Documentação Institucional

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