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11 DE JULHO DE 2025

À luz da Revolução Francesa, uma breve declaração de amor ao Brasil


‘Achados do Arquivo’ resgata texto do estudante Ruy Tavares Monteiro, escrito em 1922, e preservado na Cápsula do Tempo do Sud Mennucci



EM PIRACICABA (SP)  

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Óleo sobre tela "A Liberdade guiando o povo", de 1830, do artista francês Eugène Delacroix, captura o espírito revolucionário na passagem dos séculos 18 e 19



Em 1789, uma Paris impulsionada por uma mistura grande e complexa de fatores, circundava a beira da insurreição. O clima de euforia e animosidade eclodiu em 14 de julho, tendo como epicentro a Bastilha, uma prisão, símbolo do regime monárquico absolutista, naquele momento encarnado pelo Rei Luís XVI e pela Rainha Maria Antonieta – aquela a quem se atribui a frase “se o povo não tem pão que comam brioches”. 

O evento, conhecido como a “Queda da Bastilha” completa 236 anos nesta segunda-feira (14). Mesmo tão longínquo em tempo e espaço, continua a exercer uma grande importância simbólica como marco de uma das mais expressivas revoluções da história: A Revolução Francesa. 

O Achados do Arquivo desta semana – uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba – não pretende narrar os motivos que levaram à revolução, tampouco entrar nas inúmeras mudanças efetivas ocasionadas por ela, muito menos explorar os possíveis exageros de um período marcado pela violência e terror. Mas sim tratar a revolução da forma simbólica em que foi eternizada, como poder do povo e a luta por igualdade e fraternidade.

Um legado complexo e multifacetado, muito bem representado por Ruy Tavares Monteiro, um aluno do 2º ano, em discurso pronunciado na solenidade de enterramento da Cápsula do Tempo da antiga Escola Normal (hoje a Escola Estadual Sud Mennucci), no dia 15 de novembro de 1922, data que também marca os 33 anos da Proclamação da República do Brasil.

Ao longo de quatro páginas escritas à mão, num papel que, mais de 100 anos depois, está amarelado com o tempo, o estudante Ruy Tavares Monteiro sintetiza a luta entre poderosos e “pequenos e fracos”, como ele escreve, num verdadeiro tratado sobre o significado da Revolução Francesa para o Brasil, que, décadas antes, havia se livrado do julgo da coroa portuguesa e iniciado um processo que, mesmo sob trancos e solavancos, busca não apenas independência formal, mas autonomia prática.

O texto tem palavras bem escolhidas e, se lido nos tempos atuais possa soar, em certa medida, “ingênuo” quanto aos rumos da República Federativa do Brasil, demonstra, como um registro histórico, que desde muito tempo o povo que habita essa porção de terra tropical deseja, e almeja, uma sociedade livre, fraterna, igualitária, como ressoa no lema dos franceses do Século 19 que decidiram degolar reis e rainhas.

Em tempos da chamada ‘globalização’, a questão nacional se apresenta ao mesmo tempo como um poder simbólico e material que congrega quem, assim como Ruy Tavares Monteiro, deseja o Brasil “grande e rico, poderoso e feliz”:

“Quando dirigimos um olhar retrospectivo para os estados sociais porque tem passado a humanidade, o que vemos desde as remotas épocas é, por um lado a prepotência dos detentores do poder exercendo-se em atos de tirania contra os pequenos e os fracos, que por outro lado, num trabalho lento e secular, cuja grandeza chega a tocar as raias do sublime, tudo sacrificam pela conquista da liberdade, representada as vezes por uma pequeníssima parcela.

Esta tem sido sempre a historia do mundo.

Nas primeiras épocas as falanges dos poderosos dominam em toda linha, de posse de todos os direitos imagináveis, isentas de deveres de qualquer natureza, ao passado que a plebe rasteja na mais ínfima camada, confundida com a poeira das estradas, sobrecarregada de deveres mais pesados e humilhantes.

Correm os tempos, porém, e eis que começam de se esboçar impulsos de revolta, a principio hesitantes, indecisos, para mais tarde se tornarem mais nítidos e intensos.

Forma-se a principio uma corrente quase imperceptível que a pouco e pouco avulta e ganha proporções, numa evolução fadada a não sofrer solução de continuidade.

Os ideais de liberdade infiltram-se, por assim dizer, pelas camadas populares, e a reação afinal tem adquirido a violência dos furacões, que tudo abala e confrange em sua passagem destruidora e terrível.

O rugir do povo se afina pelo diapasão tonitruante dos canhões das realezas, numa luta desesperada, como de ondas convulsionadas pela fúria dos temporais.

Corre o sangue pelos vales, em rubras [candais], e com ele se fertiliza a terra, para que nela possa germinar a semente da árvore da Liberdade.

Meus senhores. A Revolução Francesa reza a historia da civilização, foi o coroamento do trabalho hercúleo do povo para a conquista de todos seus direitos. Esses foram proclamados solenemente; o absolutismo sofreu um golpe de morte, e surgiram radiantes e promissores de esperança os regimes constitucionais.

A Republica foi abraçada como a forma de governo mais livre, sendo ao mesmo tempo a mais justa e humana, como se vê do seu próprio lema << Liberdade, Igualdade e Fraternidade >>

Sem foros de nobreza, o poder pode recair sobre qualquer cidadão apto para desempenha-lo.

É o governo do povo pelo povo, e é o que inauguramos sem grandes comoções e sem derramamento de sangue, a 15 de novembro de 1889.

Faz hoje 33 anos que somos um povo livre na mais lata expressão do termo.

Trabalhemos, pois, meus caros colegas, eduquemo-nos para que saibamos dignificar a Republica pela perfeita compreensão dos nossos deveres cívicos.

Com uma nova geração, cônscia de seus deveres e direitos, insuflada pelo verdadeiro patriotismo, tenho fé que o Brasil há de ser grande e rico, poderoso e feliz, podendo colaborar na grande obra da civilização da humanidade.

Tenho Dito

Piracicaba, 15 de novembro de 1922

Ruy Tavares Monteiro"

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.



Texto:  Giovanna Felini Calabria
Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa:  Giovanna Felini Calabria


Achados do Arquivo Documentação

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