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09 DE MAIO DE 2025

Entre lacunas e legados: a busca por Benedito José Anastácio


A série ‘Achados do Arquivo’ destaca a história do ex-presidente da Sociedade Treze de Maio, responsável pela construção da sede da entidade



EM PIRACICABA (SP)  

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Anástico (em pé) presidiu a Sociedade Treze de Maio durante a construção da sede da entidade



ANASTÁCIO, Benedito José (Séc. 19-20). Assim vêm descritos, nome e séculos de nascimento e morte, de Benedito José Anastácio, no livro “Dicionário de Piracicabanos”, de Samuel Pfromm Netto. Dessa forma mesmo, consta como nascimento o século 19 e falecimento no século 20.

A falta de datação exata de nascimento e morte de Benedito Anastácio não é o único registro da ausência de informações a respeito de sua história. Em pesquisa na internet, pouquíssimo e breve é o conteúdo encontrado quanto a ele. A maior parte das citações é referente à rua que leva seu nome, situada no bairro Vila Fátima, em Piracicaba.

De acordo com esse escasso material, Anastácio “foi um dos 31 negros piracicabanos que criaram em 1901 a Sociedade Beneficente Antônio Bento”, que, em 1908, daria origem à Sociedade Beneficente Treze de Maio. Anastácio, “um jovem de apenas 20 anos que, em 1934, já passava a dirigir a instituição que o teria como presidente por nada menos que 23 anos”.

Apesar de poucas, ou justamente por isso, algumas informações são conflitantes. Se em 1934 ele tinha 20 anos, teria que ter nascido em 1914, o que, evidentemente, impossibilita que ele tenha participado da criação da Sociedade Beneficente Antônio Bento, em 1901. Por outro lado, se for levada em consideração a informação de que ele nasceu no “séc. 19”, é possível que ele tenha tomado parte na fundação dessa sociedade, bem como, logicamente, décadas depois, assumido a presidência da Sociedade Treze de Maio.

Contradições à parte, o que não resta dúvida é que Benedito José Anastácio foi um presidente que fez história à frente da Sociedade Beneficente Treze de Maio. Em sua gestão, a sociedade teve uma escola de música, um grêmio de jazz-band e um curso para alfabetização de adultos. No entanto, sua maior realização foi a construção da sede, na Rua Treze de Maio.

As obras tiveram início em 1943. Encabeçado por Anastácio, o projeto contou com a parceria fundamental do professor Silvio de Aguiar e Sousa, tendo Archimedes Dutra como responsável pela planta da edificação. A empreitada contou com a colaboração de industriais, empresários e políticos. Com o prédio concluído, a inauguração da sede aconteceu em 13 de maio de 1948. Após este evento, ele viveria ainda por mais 12 anos.

A informação quanto à data de seu falecimento que, até então, não pôde ser encontrada, agora é possível saber graças a documentos constantes do Acervo Histórico da Câmara Municipal de Piracicaba, preservados pela equipe do Setor de Gestão e Documentação e Arquivo.

A ata da 13ª Sessão Ordinária, de 2 de maio de 1960, registra que, no Expediente, deu entrada o requerimento 91/1960, de “pesar pelo falecimento de Benedito José Anastácio, presidente da S.B. 13 de Maio”.

O requerimento teve como autor o vereador José Eduardo Carvalho. Assinaram também, na condição de coautores, os vereadores Geraldo Carvalhaes Bastos, Jorge Moysés, Armando Piselli, Francisco Antonio Coelho e Arthur Domingues da Motta. Escrito à mão, e com data de 26 de abril de 1960, seu texto trazia o seguinte teor:

“Requeiro à Mesa, ouvido o Plenário, que seja enviada uma moção do mais profundo pesar pelo passamento do Sr. Benedito José Anastácio, à família enlutada e à Diretoria da Sociedade 13 de Maio, da qual o ilustre morto era, há cerca de 30 anos, o seu presidente. Outrossim, proceda-se a publicação deste na sua íntegra no noticiário oficial da Casa, difundindo, desta forma, com maior amplitude o sincero e profundo pesar que o infausto acontecimento trouxe a esta casa do povo.”

Em seguida, no espaço destinado à justificativa, o vereador-autor discorre sobre a marcante atuação de Anastácio na cidade. Algumas expressões carregam, sob o contexto atual, um tom inadequado, que, à época, eram usuais e, possivelmente, não percebidas como fora de lugar. Em respeito ao documento original e ao aspecto de um registro histórico que hoje ele carrega, a transcrição abaixo traz o texto em sua forma integral:

“Piracicaba perde, com o falecimento do Sr. Benedito José Anastácio, um dos seus filhos de maior valor, um autêntico líder social que, com sua extraordinária constância, dedicação e força de vontade conseguiu, em sua existência, toda dedicada à sociedade, erigir um verdadeiro monumento à raça negra piracicabana, contribuindo para a elevação do seu nível cultural, cívico e mesmo material, atribuindo e reclamando aos seus irmãos de cor os seus legítimos direitos e o cumprimento de suas legítimas aspirações, incitando-os a união ideal sob o teto amigo da Sociedade 13 de Maio, razão de ser, entre muitas, da sua invejável passagem pela Terra.

Seu valor e seu caráter, seu amor à terra e a sua cuidadosa atenção sempre voltada ao bem-estar do seu próximo, sacrificando seus próprios interesses para orientar e dirigir incansavelmente a tradicional associação que congrega os homens de cor de Piracicaba, servirão de exemplo a todos os homens de boa vontade e principalmente àqueles destinados a substituí-lo nos altos misteres que acumularam de grandes responsabilidades o seu árduo e cansativo desempenho.

Tendo a honra de pertencer ao quadro de associados do 13 de Maio e sendo mesmo um seu assíduo frequentador daquela sociedade, sou um testemunho fiel dos contínuos esforços, coroados de êxito, do já saudoso Benedito José Anastácio em procurar cada vez mais elevar o nome respeitado da simpática agremiação, símbolo de uma raça ordeira e laboriosa a quem o Brasil tanto deve.

Reivindico, com o devido consentimento dos nobres colegas, o privilégio de oportunamente apresentar um Projeto de Lei, dando o nome de Benedito José Anastácio a uma das ruas de nossa cidade, manifestando assim o reconhecimento e a admiração do povo piracicabano aos trabalhos sociais e atividades outras desempenhadas em vida pelo ilustre morto, homenageando-o através de seu Poder Legislativo, que fora igualmente representado por este vereador nos funerais ontem realizados nesta cidade, por expressa designação do presidente Manoel Rodrigues Lourenço. Sala das Sessões, 26/04/60.”

O requerimento de pesar foi aprovado nessa mesma sessão e, no dia seguinte, 3 de maio, foi remetido, através dos Ofícios 236/60 e 237/60, à diretoria da Sociedade Beneficente Treze de Maio e à família de Benedito José Anastácio, respectivamente.

Também no dia 2 de maio foi realizada uma cerimônia pelo sétimo dia de falecimento de Anastácio, como constatado num outro documento do Acervo Histórico da Câmara: um cartão de lembrança da cerimônia.

O cartão exibe, num lado, uma foto de Anastácio, com os seguintes dizeres acima a abaixo da imagem: “Lembrança da prece de 7º dia do passamento do inesquecível e sempre chorado Benedito José Anastácio, realizada no dia 2 de maio de 1960, no Centro Espírita ‘Bento do Amaral França’, às 20hs”. Do outro lado do cartão, há o seguinte teor: “A Sociedade Beneficente 13 de Maio, ainda abalada com o triste passamento do seu pranteado presidente Benedito José Anastácio, vem por este meio agradecer aos seus associados, às dignas autoridades civis e militares e a todas as pessoas que acompanharam o extinto até a sua última morada. Estende esse agradecimento também aos que compareceram àquele ato de religião e amizade”.

O Acervo conta ainda com mais um cartão, recebido pela Câmara no dia 9 de maio, com o texto a seguir: “A Sociedade Beneficente 13 de Maio e a família de Benedito José Anastácio sensibilizada agradece as manifestações de pesar”. 

A morte de Benedito Anastácio foi no final de abril, próxima, então, ao dia 13 de Maio, período no qual a Sociedade Treze de Maio estava realizando os preparativos para as solenidades do dia da assinatura da Lei Áurea, em referência ao aniversário da abolição da escravatura. Um outro documento, enviado pela diretoria da sociedade e recebido pela Câmara também em 9 de maio, traz a programação dos atos do dia 13. Após elencar as diversas atividades do dia, o trecho final do documento chama a atenção por fazer menção a um ato especificamente relativo à memória do então recém falecido Anastácio: “...ocasião em que será inaugurado o retrato do nosso saudoso presidente Benedito José Anastácio, que durante 25 longos anos esteve a testa de nossa querida ‘Treze de Maio’”. 

Pelas informações do requerimento de pesar e na lembrança de sétimo dia, pressupõe-se que Anastácio tenha falecido em 25 de abril de 1960.

A confecção dos registros históricos acaba sendo uma construção permanente e coletiva, permitindo, assim, que informações quanto à data de nascimento de Benedito Anastácio, e até mesmo possíveis correções quanto à datação de sua morte, sejam devidamente acrescentadas, na hipótese de apresentação futura de documentos comprobatórios.

Esse conjunto de documentos, que consta no Acervo Histórico da Câmara Municipal de Piracicaba se transforma, agora, em matéria da série ‘Achados do Arquivo’, integrando a série disponível na internet e possibilitando, assim, que a data do falecimento de Benedito José Anastácio seja encontrada no mundo digital.

Sempre é tempo de preencher lacunas históricas, sendo elas oriundas ou não de propositais apagamentos.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.



Texto:  Bruno Didoné de Oliveira
Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa:  Bruno Didoné de Oliveira




Achados do Arquivo Documentação Institucional

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