PIRACICABA, SEXTA-FEIRA, 16 DE MAIO DE 2025
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16 DE MAIO DE 2025

Memória em VHS: produção da Câmara trouxe à tona a Revolta Liberal


Minidocumentário produzido em 1992 pela então Assessoria de Comunicação do Legislativo destaca o conflito que aconteceu em 1842



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Arquivo Histórico da Câmara (1 de 2) Salvar imagem em alta resolução

Caracteres de uma época: minidocumentário produzido em VHS pela Câmara

Caracteres de uma época: minidocumentário produzido em VHS pela Câmara
Foto: Arquivo Histórico da Câmara (2 de 2) Salvar imagem em alta resolução

Historiadora Marly Therezinha Germano Perecin foi entrevistada no minidocumentário de 1992

Historiadora Marly Therezinha Germano Perecin foi entrevistada no minidocumentário de 1992
Foto: Arquivo Histórico da Câmara Salvar imagem em alta resolução

Caracteres de uma época: minidocumentário produzido em VHS pela Câmara






Em 1841, no início do período conhecido como Segundo Reinado, quando o Brasil era uma monarquia, o Conselho de Estado era ocupado pelos conservadores. O Conselho era um órgão próximo ao Imperador Dom Pedro II, então com apenas 15 anos, que o aconselhava e orientava em suas ações. Também o Senado era ocupado pelos conservadores.

Os dois, Conselho e Senado, eram vitalícios e ambos, formando uma espécie de oligarquia burocrática, implementaram leis reacionárias, além da reforma do Código de Processo Criminal, que centralizou a ação judicial nas mãos dos conservadores, diminuindo a autonomia local e prejudicando as ações políticas das esferas municipal e provincial (equivalente à atual esfera estadual). 

Em resumo, os conservadores passaram a deter todo o poder político do país. Isso resultou em diversos impactos para a sociedade, como a concretização de uma violência política e institucional por parte dos conservadores, a destruição de representações locais e ameaças às liberdades individuais. 

Diante desse cenário, em 1842 os estados de São Paulo e Minas Gerais reagiram a essa situação. Entre os paulistas, a liderança ficou com Diogo Antônio Feijó, o Padre Feijó, ou Regente Feijó. E entre os mineiros, o líder foi Teófilo Benedito Ottoni. Essa reação ficou conhecida como Revolta Liberal.

A Revolta Liberal não é tão comentada e não tem a mesma visibilidade que outros fatos históricos do Brasil, mas quando se completaram 150 anos de sua eclosão, em 1992, a Câmara Municipal de Piracicaba, a fim de relembrar a data, produziu um minidocumentário, com 12 minutos de duração, e que nesta semana é destaque da Série “Achados do Arquivo”, produzido pelo Setor de Gestão de Documentação e Arquivo em parceria com o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba.

O material, característico da época, é um retrato de seu tempo. Gravado em fita VHS e utilizando as técnicas de edição então disponíveis, exibe caracteres e trilha sonora então em voga, hoje perfeitamente identificáveis como um produto do início da década de 1990. O conteúdo é com base em depoimentos de pessoas como Marly Therezinha Germano Perecin, historiadora; Geraldo Bonadio, jornalista do jornal “Cruzeiro do Sul”, de Sorocaba; e Celso Maria de Mello Pupo, um dos mais importantes pesquisadores da história de Campinas e região, e aborda trata da repercussão da Revolta Liberal em Piracicaba e da participação da cidade no movimento. Iniciando com imagens registradas pelo fotógrafo Davi Negri, texto da jornalista Ângela Maria Furlan Nolasco, locução da também jornalista Nilma Lúcia de Oliveira Moratori e exibição de imagens de ilustrações alusivas ao período do fato histórico, o traz informações referentes ao contexto da época, explicando os motivos da eclosão da Revolta Liberal:

“A Revolução Liberal, que neste mês completa 150 anos, teve seus homens e seus ideais. Queriam libertar o Brasil da ameaça totalitária, das garras da monarquia absoluta. A liberdade era nova no país. Estava nas aspirações de todos. Mas não nas leis. De um lado, os conservadores, conhecidos como ‘corcundas’, que lutavam para acabar com o liberalismo político, fortalecendo a autonomia do poder central nas mãos de Dom Pedro II, uma criança, que teve sua maioridade antecipada para assumir o trono. Do outro lado, estavam os liberais, liderados pelo padre Diogo Antônio Feijó e pelo brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, em defesa do Código de Processo Penal e do ato adicional, duas legítimas conquistas da liberdade. Sem esses dois instrumentos, a ditadura imperava. Ao lado do padre Diogo Feijó e do brigadeiro Tobias, se colocavam Melchior de Mello Castanho e Antônio José da Silva, vereadores liberais de Piracicaba, que, em 1842, foram voluntários na guerra dos paulistas contra o absolutismo. Junto com os suplentes, compunham a chamada ‘Câmara rebelde dos liberais de 1842’”.

A locução, ao tratar da participação de cidades do interior do estado, afirma:

“Sorocaba e Campinas foram os palcos da Revolução Liberal. Sorocaba foi o foco revolucionário. Campinas, onde se desenrolou a batalha que culminou na derrota daqueles homens seduzidos pelo idealismo da liberdade da Revolução Francesa. Piracicaba e Itu entram na história da Revolução Liberal de 1842 como principais figurantes.”

Na manhã de 17 de maio, na Câmara de Sorocaba, Rafael Tobias de Aguiar foi nomeado presidente interino da província, sendo aclamado por vereadores, juízes, oficiais da guarda, sacerdotes e o povo. A nomeação de Tobias foi uma manifestação contrária ao rumo conservador e reacionário do governo central. No mesmo dia, enviou emissários para fazer contato com as principais lideranças liberais, a fim de avisá-las que o momento havia chegado.

A Revolta Liberal eclodiu em Sorocaba, em 17 de maio; em Itu, 18 de maio; e em Piracicaba, 20 de maio, quando os vereadores liberais assumiram o governo da vila. Sobre a eclosão em Piracicaba, o documentário exibe a fala da já eminente historiadora Marly Therezinha Germano Perecin:

“A chegada da notícia de que havia sido instalado em Sorocaba um governo revolucionário, tendo à frente Rafael Tobias de Aguiar, como presidente dos paulistas. Essas ordens chegaram em mãos do mentor dos liberais em Piracicaba, o padre [Manoel José de] França, e este, imediatamente, agilizou os seus prepostos. No dia seguinte, 20 de maio, deu-se a ocupação da Câmara pelos liberais, afastando-se, prudentemente, os ‘corcundas’. E, incontinenti, Melchior de Mello Castanho assumiu a Presidência da Câmara, enquanto o capitão Ignácio [José] Siqueira assumiu a liderança dos militares da guarda nacional e da guarda policial. A seguir, declararam suspensos os efeitos das leis do cabresto e, imediatamente, passaram a reintegrar as antigas autoridades nos seus postos. A tomada da Câmara naquele 20 de maio se fez com tropa, com igreja, com liberais e a população urbana. Foi um pronunciamento, portanto, liberal genuíno.”

Na sequência, o documentário aborda o papel dos jornais da época, que já retratavam a intenção dos liberais. Sobre o assunto, o vídeo mostra depoimento do jornalista Geraldo Bonadio, do jornal “Cruzeiro do Sul”, de Sorocaba:

“A Revolução Liberal teve os seus antecedentes registrados através da imprensa da época. No Rio de Janeiro, jornais como ‘O Brazil’ e ‘Sentinella da Monarchia’ defendiam as posições do governo conservador. Em São Paulo, o ‘O Observador Paulistano’, do padre [Diogo Antônio] Feijó e o ‘Tibiriçá’, do brigadeiro [Rafael] Tobias [de Aguiar], apresentavam o ponto de vista dos liberais em relação a estruturação do estado brasileiro, que era a grande questão em debate naquele momento, por trás de toda a discussão. E, finalmente, quando a Revolução acontece, o padre Feijó, que estava em Campinas, vem para Sorocaba, acompanhado de Hércules Florence, com uma tipografia, e edita, aqui, quatro números de um jornal chamado ‘O Paulista’. Na verdade, chegou-se inclusive a produzir um quinto número, que estava para ser distribuído, quando a cidade foi tomada pelas tropas comandadas por Caxias.”

A seguir, ao tratar da decisiva Batalha de Venda Grande, em Campinas, a produção aborda o assunto diretamente do local onde ocorreu a batalha:

“Foi na manhã do dia 7 de junho que o acampamento dos liberais, no Engenho da Lagoa, em Campinas, foi tomado por um ataque surpresa. As armas obsoletas dos liberais, espingardas de caça, pouco valiam diante dos fuzis e baionetas dos homens enviados pelo Barão de Caxias. Neste local, onde hoje é um bairro residencial, os liberais foram massacrados.”

Em combates de guerras, revoluções, revoltas, há um código de conduta, implícito à época, que determina que combatentes feitos prisioneiros ou que estejam feridos não sejam executados. Não foi o que aconteceu nessa batalha de Campinas. Lá, um ato covarde, liderado por um padre, resultou em ainda mais baixas para os liberais, como conta no documentário o pesquisador de História, Celso Maria de Mello Pupo:

“Os feridos foram todos postos no sobrado do Engenho [da Lagoa], sede do Engenho. Esse sobrado estava em inventário, porque o proprietário era um viúvo, duas vezes viúvo, e os filhos todos casados. E ele faleceu. Então, o sobrado ficou desabitado, mas com todo o seu mobiliário. Então, nas camas do sobrado foram postos os feridos. E os feridos, durante a noite, foram todos assassinados, covardemente, por uma tropa que não se sabia qual era. E com o tempo é que foi possível descobrir que essa tropa não era a tropa de Caxias, porque a tropa de Caxias, já ao anoitecer, se preparou para deixar o local conduzindo aqueles prisioneiros que eram antigos oficiais do Exército, que foram presos e levados para Campinas. Os que assassinaram os doentes era uma tropa irregular, sustentada pelo padre Ramalho, que era um sacerdote de Mogi Mirim.”

Após a derrota, os liberais amargaram dias difíceis. Foram perseguidos, torturados. No entanto, jamais abriram mão de seus ideais. É o que conta a historiadora Marly Therezinha Germano Perecin, no encerramento do documentário:

“Os liberais foram perseguidos no interior de seus lares, no interior de suas propriedades. Muitos foram aprisionados, tiveram seus bens confiscados. Outros, tiveram que fugir do país. Mas o saldo positivo ficou desta Câmara rebelde. Primeiro: a afirmação de que o governo deve ser por consentimento popular, e os liberais sempre procuraram o consentimento popular em seus pronunciamentos. Deram um modelo de como assumir o poder. Deram um modelo de como praticar uma contestação ao poder monárquico. Perseguidos, deram um modelo de coragem, até o momento da anistia em 1844. Permaneceu o ressentimento, tanto como parte da sua prática política, como herança aos seus filhos e seus netos. Esses ressentimentos chegam até o final do Império e, um pouco antes já, são suficientes para que os mesmos proprietários rurais se reúnam na casa de Carlos Vasconcellos [de Almeida Prado], em Itu, e façam a chamada Convenção Republicana de Itu, cujo objetivo é a derrubada da monarquia.”

Sorocaba, Campinas e Piracicaba, cidades que, em meados do século 19, desempenharam um papel fundamental na resistência contra o poder centralizador da monarquia, e que foram, em 1992, devidamente rememoradas por um minidocumentário produzido pela Câmara Municipal de Piracicaba.

A Câmara Municipal possui também, em seu Acervo Histórico, atas de sessões que trazem os desdobramentos da Revolta Liberal na Piracicaba de 1842, como as dos dias 20/05/1842 e 17/06/1842. Quanto ao documentário, este é finalizado com a exibição dos créditos, os quais transcrevemos: “Realização: Assessoria de Comunicação da Câmara de Vereadores de Piracicaba. Elaboração: Ângela F. Nolasco; Nilma de Oliveira; Rosemary Bars. Imagens: Davi Negri. Texto: Ângela F. Nolasco. Locução: Nilma de Oliveira. Participação: Marly T. G. Perecin; Geraldo Bonadio; Celso de M. Pupo. Edição: José L. Pinotti; Tito Lívio. Apoio: Lab. Com. Social Unimep”.

Ao resgatar a história da Revolta Liberal, em 1992, a Câmara trouxe à tona uma importante parte da luta política no País e, agora, mais de 30 anos depois, o minidocumentário produzido no Legislativo, com as possibilidades e imperfeições do VHS, também conta a história do tempo em que foi produzido.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, com o objetivo de divulgar o acervo que está sob a guarda do Legislativo. As matérias são publicadas às sextas-feiras.



Texto:  Bruno de Oliveira
Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa:  Bruno de Oliveira




Achados do Arquivo Documentação Institucional

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