26 DE ABRIL DE 2024
‘Achados do Arquivo’ recorda parecer que enfatiza a proibição da prática no início do Século 20, mesmo sob pressão de comerciantes que queriam revogá-la
Parecer exarado na Câmara, em 1901, reforçou a eficácia da lei de 1875 que proibia a tourada
Tauromaquia: uma palavra que evoca debates acalorados, memórias controversas e uma tradição que divide opiniões. Enquanto para alguns é uma expressão cultural enraizada, para outros representa crueldade e violência contra animais. No Brasil, onde a prática foi banida há quase um século, o termo ressoa com uma história peculiar, especialmente na cidade de Piracicaba.
Desde 1934, o Decreto 24.645 colocou um fim definitivo às touradas e lutas entre animais em todo o território brasileiro, estabelecendo medidas de proteção. No entanto, muito antes disso, Piracicaba já havia tomado uma posição firme contra esses espetáculos. Em 1875, o código de posturas da cidade incorporou uma proibição explícita aos eventos tauromáquicos, marcando assim um posicionamento pioneiro e progressista.
Documentos preservados pelo Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara Municipal de Piracicaba revelam não apenas a promulgação dessa normativa, mas também a resistência persistente contra qualquer tentativa de revogação. Um exemplo eloquente desse comprometimento histórico é encontrado na ata da sessão extraordinária de 16 de abril de 1901, e que é o destaque da série Achados do Arquivo desta semana.
Na ocasião, um requerimento apresentado por comerciantes e empregados do comércio solicitava o consentimento para a realização de espetáculos tauromáquicos. No entanto, a Comissão de Polícia e Higiene, representada pelos vereadores Paulo de Moraes Barros, Barão de Rezende e Pedro Alexandrino de Almeida, emitiu um parecer vigoroso em defesa da manutenção da proibição:
“A Comissão de Polícia e Higiene entende que a Câmara Municipal se manifestando contrária, no ano próximo findo, à revogação do art.º 71 do Código de Posturas Municipais, que proíbe em todo município o espetáculo público de touros, bem interpretou uma necessidade pública local. Efetivamente tais gêneros de diversão são por sua natureza barbaras, e despertam no povo instintos sanguinários. Um município que deseja distinguir-se pela instrução popular não pode, nem deve permitir os circos de touros e as rinhas de brigas de galo ao lado das escolas. A Câmara Municipal deste município decretou em 1875 a sabia lei, cuja revogação hoje se pede, e que só por abuso deixou de ser cumprida algum tempo. A Comissão entendeu que ela deve continuar a ser cumprida em seu pleno vigor. Piracicaba, 9 de junho de 1901” (em transcrição livre)
O parecer ressalta a natureza bárbara desses eventos, argumentando que eles despertavam "instintos sanguinários" e eram incompatíveis com a missão de um município que aspirava à instrução popular. Afirmou-se ainda que a lei de 1875, que proibia os espetáculos públicos de touros, deveria ser mantida em vigor, como um símbolo do compromisso com o bem-estar animal e o progresso cultural.
Assim, acatando o parecer da Comissão, a Câmara Municipal de Piracicaba negou o pedido e a lei proibitiva permaneceu intacta, até mesmo quando a legislação federal a amparou, quase seis décadas depois. Essa postura enérgica e progressista contribuiu significativamente para que as expressões da tauromaquia não encontrassem solo fértil em terras brasileiras, mesmo em meio a outras influências culturais ibéricas.
ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, criada pelo setor de Documentação, em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo da Casa de Leis.