31 DE AGOSTO DE 2022
Ex-vereadora na Câmara Municipal de Piracicaba, Ditinha foi a segunda mulher, vereadora, e a primeira negra, eleita, pelo voto direto, a ocupar uma cadeira legislativa
Descerramento da placa, na tribuna, com o nome de Ditinha Penezzi
“Ou vocês param com isso, ou eu vou mostrar quem é mais homem nessa casa!" Disse Ditinha Penezzi, subindo à mesa com as mãos na cintura. A frase, detalha o jornalista Cecílio Elias Netto, é da ex-vereadora Maria Benedita Pereira Penezzi, a Ditinha Penezzi, em uma das reuniões ordinárias promovidas pela Câmara Municipal de Piracicaba (SP) na década de 1960.
A fala de Ditinha foi em meio a gritos e xingamentos durante o trabalho legislativo no prédio da Câmara, que era antigo e precário.
Solenidade na tarde desta quarta-feira (31), no plenário “Francisco Antônio Coelho”, denominou de “Ditinha Penezzi”, a tribuna do plenário, onde os vereadores e população se manifestam nos eventos oficiais da Casa Legislativa. A autoria é das vereadoras Sílvia Morales – do mandato coletivo “A Cidade é Sua” – e Ana Pavão (PL), atendendo a resolução 5/2022.
Ditinha, como era carinhosamente chamada, foi a segunda mulher a ocupar um assento na Câmara Municipal de Piracicaba, mas a primeira vereadora negra que alcançou o cargo por meio de voto popular direto. Piracicabana, nasceu no dia 19 de julho de 1917 e faleceu em 26 de junho de 1985. Exerceu o mandato parlamentar no período de 1959 a 1972, totalizando 17 anos no Legislativo Municipal, passando pelos partidos PSD (Partido Social Democrático) e PSP (Partido Social Progressista).
Além de parlamentar, Ditinha iniciou os estudos em Direito aos 50 anos de idade e formou-se em 1975, pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Administrativas de Itapetininga (SP). Ao longo de sua vida, participou ativamente de diversas entidades, como o Clube da Lady de Piracicaba, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Sociedade Brasileira de Educação e Integração.
A atriz Viviane Souza dramatizou, na tribuna, uma compilação de frases utilizadas por Ditinha em justificativas de projetos. O compilado das falas da vereadora foi feito por Jhoão Scarpa, a partir de levantamento do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo. A encenação teve como objetivo mostrar como era a atividade da parlamentar, que teve o mandato cassado em 1972. À época, Francisco Antônio Coelho, que dá nome ao plenário municipal, era o presidente da Câmara.
O presidente em exercício da Câmara Municipal de Piracicaba, visivelmente emocionado, fez uma reflexão durante a solenidade: “ Esse espaço é muito valioso aqui dentro, pois é o espaço onde as pessoas trazem as suas necessidades, anseios e projetos. Quis Deus que eu estivesse na presidência da Câmara para poder presidir esta solenidade. Eu e o Thiago (Ribeiro) somos negros e estamos homenageando a Ditinha, que também era negra, que na época enfrentou todos os preconceitos e participou ativamente da política”, parabenizou Acácio Godoy.
A representação das falas da Ditinha “foram marcantes”, não somente para o público, mas para uma das autoras da reunião solene, a vereadora Silvia Morales. “Primeira vereadora negra, eleita pelo voto direto, e polêmica, acima de tudo. A tribuna é um local onde trazemos as demandas, enfim, onde a gente se pronuncia”, complementou a parlamentar.
Silvia ainda acrescentou que estava muito feliz em poder realizar a homenagem à Ditinha. "Quando fiz a defesa do projeto para aprovação do nome de Ditinha, disse que isso faz parte também da minha história. Conheço muitos Penezzis, tive alguns momentos da vida que tive contato com algum Penezzi", disse. Ela elencou e descreveu várias situações envolvendo os familiares da homenageada.
Outras mulheres, artistas e políticas, foram lembradas por Silvia. "Ditinha Penezzi representa uma revolução no nosso município e esse legado não ficará esquecido, principalmente com essa homenagem. Em 200 anos de Câmara, foram somente 16 mulheres e ela é uma referência. Foi perseguida, cassada, tem seu nome em praça, escolas, mas a tribuna é um espaço muito representativo, é um espaço de fala, onde nós, vereadores, representamos a população", finalizou a parlamentar.
A cerimônia de denominação integrou a programação comemorativa dos 200 anos da Câmara.
ASSESSORA DE GOVERNADORES – Ditinha não foi somente vereadora e advogada. “Ela foi chefe de gabinete dos governadores paulistas Jânio Quadros, Carvalho Pinto, Ademar de Barros e Laudo Natel”, disse Escholastica Pereira, filha de Ditinha.
Casada com Vicente Penezzi, ela teve oito filhos: João, José, Lázaro, Marta, Narcisa, Thomas Augusto, Vicente Júnior, Walkir e Escholastica.
A solenidade foi transmitida ao vivo pela TV Câmara nas frequências de 11.3 UHF e nos canais 4 da Net e 9 da Vivo Fibra.
Discurso interpretado pela atriz Viviane Souza na tribuna:
“Boa tarde, nobres pares desta egrégia Casa de leis...
Hoje eu subo nesta tribuna para expor aos senhores algumas preocupações que me tem tomado os pensamentos.
Em primeiro lugar quero rebater a fala do edil que me antecedeu, pois o mesmo lamenta o fato de alguns moços terem adentrado a piscina da fonte luminosa, publicamente. Cabe ressaltar que esses moços não são criminosos perigosos e não mereciam ter sido recolhidos na cadeia. Por esta razão, intervi por eles, retirando-os do presídio. Não podemos confundir um momento de diversão com uma infração tão séria que resulte na prisão desses jovens. São espaços públicos, de uso público. O que cabe, no máximo, é uma advertência para que não mais utilizam a piscina de maneira indevida.
Fazendo referência ao que acabei de mencionar, temos notado, por observação pessoal, que a cadeia pública recolhe, num mesmo compartimento, detentos de maior idade e menores. Considerando que essa prática, social e psicologicamente, não é recomendável, protocolei um requerimento, de nº 287/1956, ao Sr. Prefeito, solicitando que o mesmo discuta com o senhor delegado de polícia a possibilidade de construir, às expensas do município, um cômodo junto ao prédio local da cadeia pública destinado ao recolhimento de menores, evitando-se, assim, uma promiscuidade em desacordo com as boas normas da sociologia e da psicologia modernas.
Protocolei, também, outro requerimento, de nº 240/1956, ao Exmo. Sr. Dr. Renan Bastos, DD Delegado de Polícia, encarecendo a essa digna autoridade promover estudos para o restabelecimento do albergue noturno, que tão bons serviços têm prestado nos tempos idos. Pois, consideramos que cabe aos poderes públicos, pela sua própria razão de ser, amparar o cidadão sempre e quando se fizer necessário.
Discorro, agora, sobre meu projeto de lei nº 76/1956.
Tornou-se praxe dos mais elogiáveis, a concessão, pelo município, em anos anteriores, de um auxílio para o natal dos internados piracicabanos no Asilo Colônia de Pirapitingui. Neste ano, entretanto, o município não conseguiu verba para estes fins, pelo que se esboça a possibilidade de não verem os doentes em apreço, a esperança de um natal mais alegre, graças ao auxílio de seus concidadãos. Assim sendo, este projeto procura e visa sanar essa falha e propiciar aos internados piracicabanos um natal mais feliz, se a Casa, como é óbvio, não nos faltar com seu inestimável apoio.
Me despeço dos senhores e das senhoras agora, deixando nesta Egrégia Casa de Leis minha eterna lembrança dos bons e maus momentos que vivi aqui dentro. Eternizo-me nesta Tribuna que, por anos a fio, foi o espaço em que usei minha voz para ser a voz de outras milhares de cidadãs e cidadãos piracicabanos. E lembrem-se, quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. (Ditinha Penezzi)