PIRACICABA, SEXTA-FEIRA, 17 DE JANEIRO DE 2025
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17 DE JANEIRO DE 2025

Tancredo Neves e a Democracia: o sonho que sobreviveu à ausência


Repercussão da eleição e morte do ex-presidente é o destaque da série Achados do Arquivo desta semana



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Arquivo Histórico da Câmara Salvar imagem em alta resolução

Em janeiro de 1985, no dia 15, Tancredo Neves vencia a eleição indireta contra o candidato apoiado pelo governo militar. Crédito: Acervo José Góes/Câmara dos Deputados



No dia 25 de abril, em 1984, a Câmara dos Deputados rejeitou a proposta de emenda constitucional nº 05/1983, que ficou conhecida como emenda Dante de Oliveira. Essa emenda pretendia restabelecer as eleições diretas para a Presidência de República, após 20 anos de ditadura militar no país.

Com a rejeição da emenda, a oposição ao governo militar tratou de reorganizar-se para disputar a eleição indireta para a Presidência, no Colégio Eleitoral, em janeiro do ano seguinte. Um político muito habilidoso já se articulava para vencer o pleito no início de 1985: Tancredo Neves.

A eleição do ex-presidente, que nunca chegou a assumir o cargo, é o destaque desta semana da série Achados do Arquivo, uma parceria entre o Setor de Documentação e Arquivo e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba.

Tancredo tinha sido deputado estadual em Minas Gerais, deputado federal, senador e governador de Minas Gerais, além de primeiro-ministro num breve período parlamentarista do país, no início da década de 1960.

Aproveitando uma dissidência no PDS, à época o partido de sustentação do já enfraquecido governo ditatorial, Tancredo, filiado ao PMDB, angariou apoio de políticos rebelados daquele partido, dentre eles José Sarney, que, se filiando ao PMDB, compôs a chapa de Tancredo como seu vice-presidente.

Em janeiro de 1985, no dia 15, uma terça-feira, Tancredo Neves vencia a eleição indireta contra o candidato apoiado pelo governo militar, Paulo Maluf. O Colégio Eleitoral deu 480 votos para Tancredo frente a 180 para Maluf, tendo 26 abstenções. Apesar de indireta, a eleição de Tancredo Neves foi recebida com grande entusiasmo pela sociedade, afinal, ele se tornaria o primeiro presidente civil do país em mais de 20 anos.

Quase três semanas depois, na 1ª Sessão Ordinária do ano, no dia 4 de fevereiro, houve duas manifestações na Câmara Municipal de Piracicaba sobre o assunto.

No Expediente da sessão, o 2º orador da reunião, vereador Alberto Carlos Piazza, que “falou sobre a eleição de Tancredo Neves, esperando que o mesmo desenvolva mudanças que tragam benefícios ao povo brasileiro”.

Pouco depois, o 6º orador, vereador José Inácio Mugão Sleimann, “valendo-se de sua posição de líder da Bancada do PMDB, solicitou a palavra por cinco minutos (...). Falou sobre a eleição do novo presidente da República, pela qual lutamos durante vinte anos. Deseja a Tancredo Neves toda a sorte possível e pede a colaboração de todo o povo brasileiro. Diz que a eleição de Tancredo Neves é uma vitória do PMDB, sob o comando do deputado federal Ulysses Guimarães”.

O presidente eleito, no entanto, jamais assumiu o governo.

A posse estava marcada para o dia 15 de março de 1985. Ocorreu que, semanas antes, Tancredo começou a sentir fortes dores abdominais. Receoso de que esse problema de saúde pudesse servir de desculpa pelos militares para barrar sua posse, ele escondeu seu estado, recusando-se, inclusive, a ir a um hospital.

Recorrendo a tratamento médico particular em sua casa e a doses de antibióticos, Tancredo pretendia seguir assim até a posse e, uma vez no cargo, buscaria ajuda médica para uma eventual cirurgia.

Com o passar dos dias, a infecção se tornou mais aguda e, na noite de 14 de março, véspera da posse, Tancredo precisou ser internado às pressas no Hospital de Base do Distrito Federal. Só autorizou passar por cirurgia após obter a garantia de que seu vice, José Sarney, seria empossado no dia seguinte, sem risco de que houvesse qualquer manobra do governo militar para se manter no poder.

Após articulações políticas empreendidas por Ulysses Guimarães durante a madrugada, Sarney tomou posse, no Congresso Nacional, às 10h00 do dia 15.

Tancredo, após 7 cirurgias e 38 dias de internação, em hospitais de Brasília e São Paulo, faleceu às 22h23 do domingo, 21 de abril.

A morte de Tancredo Neves gerou uma comoção nacional. Embora o vice-presidente Sarney também fosse um civil, num passado não muito distante era alinhado ao governo militar. Enquanto a figura de Tancredo como democrata remetia aos seus passos iniciais na política.

O falecimento dele entristeceu um momento de celebração e esperança que havia na sociedade.

Em Piracicaba, a morte de Tancredo repercutiu fortemente na Câmara Municipal. Na 12ª Sessão Ordinária, realizada dois dias após o falecimento, na terça-feira, 23 de abril, deram entrada os Projetos de Lei nº 20/1985, de autoria do Executivo, e nº 24/1985, apresentado pela vereadora Adeli Bacchi Dias de Moraes e Silva e outros, ambos propondo a alteração da denominação da Avenida 31 de Março para Avenida Tancredo Neves.

Após a protocolar entrada de proposituras e documentos, o presidente da Câmara, vereador Adalberto Felício Maluf, propôs que, em razão do falecimento do presidente da República, os trabalhos da Câmara Municipal fossem suspensos, dando, antes, a palavra a cada líder para que, em nome de seu partido, expressasse seu sentimento pelo acontecido, o que foi aprovado por unanimidade e sem discussão.

Abaixo, retirados da ata da sessão, trechos das manifestações das lideranças partidárias:

O primeiro líder a se manifestar foi o do PT, vereador Isaac Jorge Roston Júnior, dizendo que “todos os trabalhadores sentiram a morte do presidente (...). Devemos a ele a transição pacífica ocorrida no país (...). É importante, porém, que o povo aprenda uma lição de todo esse episódio – uma só pessoa não resolve o problema deste país (...). Para solução dos problemas nacionais é necessário que o povo se organize e se una, formando uma nova sociedade, um mundo novo, onde haja igualdade e justiça social. Importante, ainda, neste momento, que o presidente José Sarney convoque uma Assembleia Constituinte, livre, democrática e soberana, para que a mesma, colocando em prática os ideais de Tancredo Neves, devolva o poder ao povo (...)”.

A seguir, manifestou-se o líder do PTB, vereador Mário João Michelin, que disse que “a morte, no seu perambular, não respeita nem os fortes nem os fracos, tombou um lutador, morreu o Dr. Tancredo de Almeida Neves, nosso presidente eleito. Neste momento de dor e de grande frustração nacional, conforta-os saber que Tancredo Neves foi um dos grandes estadistas, um dos políticos que soube compreender o anseio de toda a população brasileira (...)”.

Na sequência, usou da palavra o líder do PDS, vereador Elias Domingos da Silva, que afirmou que “igual a todo brasileiro, está realmente impressionado com a manifestação popular em torno do sofrimento e, finalmente, da morte do presidente Tancredo Neves. Acredita que a manifestação de todo o povo brasileiro em torno do presidente representa uma esperança a todos nós, já que as orações não foram em vão. Embora morto o presidente, as suas propostas estão aí. São do conhecimento de todos nós e os políticos têm a responsabilidade de cumprirem as promessas feitas pelo presidente (...)”.

O último líder a discursar foi o do PMDB, vereador José Inácio Mugão Sleimann, “dizendo da tristeza de todo o povo brasileiro quando tomou conhecimento da morte do presidente. Ressaltou que em todos os momentos durante a enfermidade, e agora no falecimento, sentimos a todo instante a união do povo, que serviu de exemplo à classe política para que ela se una e, de mãos dadas, cumpra os ideais da nova república, arquitetados por Tancredo Neves (...)”.

Após os pronunciamentos dos líderes partidários, o presidente da Câmara, Adalberto Felício Maluf, comentou sobre “as palavras ouvidas pelos canais de televisão, que o deixou muito emocionado”. Comunicou também que “a partir de quinta-feira será colocado um livro nas dependências da Câmara Municipal, para ser subscrito pela população e que posteriormente será remetido a São João del Rey para ser entregue à família” de Tancredo Neves.

Encerrando a sessão, foi aprovado, em regime de urgência e por unanimidade, o Requerimento nº 101/1985, de pesar, assinado por todos os vereadores, endereçado à viúva, sra. Risoleta Neves, bem como ao presidente da República, José Sarney. Desse requerimento, destacam-se os seguintes trechos:

“A disputa é uma forma digna e positiva de relacionamento, desde que entre as partes em conflito existam juízes e regras que sustentem a honradez do perdedor e limitem a ação triunfante do ganhador. (...). Esta é uma das lições de Tancredo Neves que, neste momento, temos privilégio de viver. (...). Piracicaba, parte integrante da grande família brasileira, também está de luto pela morte de Tancredo Neves e, através desta Edilidade, que é o seu legítimo órgão representativo, deseja manifestar de público seu sentimento de dor e de tristeza.”

Seis dias depois, no dia 29 de abril, a morte do presidente ainda repercutiu na Câmara, durante a 13ª Sessão Ordinária. Parlamentares que não eram líderes de partido se pronunciaram no Expediente. Trechos dessas manifestações, retirados da ata da sessão, estão transcritos abaixo:

O vereador Jorge Rodrigues Martins, afirmou usar a tribuna para “reverenciar a memória do líder que soube conduzir todo o Brasil em rumo à restauração democrática em sua plenitude (...)”.

Já a vereadora Adeli Bacchi Dias de Moraes e Silva “comentou as homenagens prestadas pelo povo brasileiro à memória de Tancredo Neves (...)”.

Por sua vez, o vereador Bruno Prata “leu em Plenário panfleto, de autoria do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), denominado ‘Ele está entre nós’, de homenagem ao falecido presidente Dr. Tancredo de Almeida Neves”, solicitando que “o mesmo fosse inserido em ata”. Panfleto que traz, dentre outros, os seguintes trechos: “Jamais os sagrados direitos e a vontade do povo poderão ser desrespeitados impunemente. (...). Certamente, e com mais razão ainda, fortalecidos pelo seu legado, saberemos e seremos capazes também de construir o Brasil que ele sonhou”.

Dois meses após essas sessões, no dia 28 de junho de 1985, Sarney, cumprindo a promessa de campanha de Tancredo, encaminhou ao Congresso Nacional a Mensagem 330, propondo a convocação da Constituinte. Em novembro de 1986 seriam eleitos os deputados constituintes. Empossados em 1º de fevereiro de 1987, trabalhariam na elaboração da nova Constituição, que seria promulgada em 5 de outubro de 1988, contendo uma vasta gama de princípios e normas garantidores de direitos fundamentais dos brasileiros e brasileiras.

Em 15 de novembro de 1989 seriam realizadas eleições diretas para a Presidência da República, o que não ocorria há quase trinta anos, desde 1960.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e desde a eleição de 1989, a primeira da Nova República, o Brasil, desde então, vivencia o período mais longevo de democracia em sua história.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. A iniciativa do Setor de Documentação em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara às sextas-feiras, visa tornar acessíveis ao público as informações do acervo da Casa de Leis.



Texto:  Bruno Didoné de Oliveira
Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa:  Bruno Didoné de Oliveira




Achados do Arquivo Documentação Institucional

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