25 DE NOVEMBRO DE 2022
"16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres” e exposição "Vestígios" marcam início de campanha instituída, desde 2017, no Legislativo piracicabano
Solenidade de abertura reuniu vereadoras e representantes do poder público e de entidades envolvidas na luta pelo fim da violência contra as mulheres
A camiseta rasgada, com furos e manchas vermelhas, cor de sangue, chamam a atenção e impactam os olhos daqueles que passam pelo hall de entrada do prédio principal da Câmara Municipal de Piracicaba. A cena é forte. Felizmente, em um olhar mais atento, logo é possível ver que as manchas não são de sangue, mas sim de tinta. A camiseta, na verdade, é um dos itens da exposição “Vestígios”, que por meio de frases e pinturas, constroem uma crescente narrativa - da agressão verbal à violência física - que busca representar as agruras experimentadas, ainda hoje, por inúmeras mulheres.
Inaugurada na tarde desta sexta-feira (25), a exposição marca o “Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher” e a abertura da mobilização anual “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres”, realizada pelo Legislativo piracicabano desde 2017 e que, neste ano, é organizada pelos gabinetes das vereadoras Rai de Almeida (PT) e Sílvia Morales (PV), do Mandato Coletivo “A Cidade é Sua”.
Após a exposição, no Salão Nobre "Helly de Campos Melges", localizado no segundo andar do prédio principal, foi iniciada solenidade alusiva à campanha, que congregou, além das vereadores proponentes da mobilização, representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Guarda Civil Municipal e de diversos órgãos e entidades municipais ligadas ao combate à violência contra as mulheres.
"Nós temos uma programação que vai até o dia 14 de dezembro, com algumas agendas ainda não definidas, mas teremos alguns dias, neste fim de ano, para falarmos sobre esse tipo de violência tão presente na vida das mulheres", disse Rai de Almeida, que ainda destacou: "essa não é uma luta só das mulheres, mas de toda a sociedade, até que não tenhamos uma mulher vítima de violência. Enquanto tivermos alguma mulher vítima de algum tipo de violência, nos manteremos na luta".
Sílvia Morales, de maneira semelhante, lembrou: "bom seria se não precisássemos estar aqui, se não houvesse mais violência contra as mulheres. No entanto, como mostram os dados, alarmantes, de que uma mulher a cada sete horas morre vítima de feminicídio no Brasil, temos que estar [aqui], temos que refletir e propor políticas públicas mais afirmativas e mais adequadas".
Trabalho coletivo - A guarda civil municipal Luciane Cristina Silva Tovar, integrante da Patrulha Maria da Penha e uma das componentes da mesa diretiva da solenidade, reforçou a importância de atividades e mobilizações constantes voltadas à proteção das mulheres: "para nós, essas atividades nos auxiliam muito em nosso trabalho, na prevenção, e ajudam a diminuir a porcentagem de mulheres violentadas".
A coordenadora do Centro de Referência de Atendimento à Mulher de Piracicaba (CRAM), Fabiana Menegon, também reforçou o papel positivo das atividades abrangidas pela mobilização e reforçou a importância da abordagem conjunta de diversos atores sociais para combater o problema. "Precisamos ser ouvidas. Quem bom que hoje estamos aqui, mas que bom se mais pessoas também pudessem estar aqui", disse.
Para Marcela Enedina Furlan Buoro, enfermeira Coordenadora da Saúde da Mulher de Piracicaba, o evento "muito além de trazer conhecimento para as pessoas que vão participar de todas as atividades que acontecerão até o dia 14 de dezembro, que ele faça um movimento para que a sociedade, o poder público e as autoridades exerçam uma escuta ativa das nossas necessidades como mulheres". Para a enfermeira, "não há equidade de gênero sem acesso a métodos contraceptivos, sem pré-natal de qualidade, sem humanização de parto, sem descriminalização do aborto e sem repúdio a todas as formas de violência contra a mulher", defendeu Buoro.
A presidente do Conselho da Mulher de Piracicaba, Marilda Soares, que também compôs a mesa diretiva da solenidade, lembrou que "a violência contra a mulher não é algo exclusivo de nosso município, nem um fenômeno exclusivo de nosso tempo, infelizmente". Segundo Soares, a violência permanente ou circunstancial contra as mulheres remete a "um contexto histórico muito profundo, ligado às concepções e mentalidades e às formas tradicionais de se pensar as hierarquias, a sociedade, as relações entre homens e mulheres e as relações de gênero (...). É muito importante o desenvolvimento de práticas de convívio pautadas na cultura da paz, do respeito ao outro e na percepção da diferença e da alteridade, sem o desejo de excluir, maltratar ou subjugar o outro", pontuou.
Segundo o 11º Promotor de Justiça de Piracicaba, José Eduardo de Souza Pimentel, que atua em Piracicaba, na área criminal, desde 1998, o trabalho de entidades empenhadas no combate à violência contra as mulheres tem auxiliado em seu trabalho junto ao Ministério Público: "nesses últimos anos, pelo trabalho das senhoras, eu tenho visto os crimes de violência doméstica, os crimes praticados contra as mulheres, com um novo olhar. Nós que estávamos acostumados a cuidar de casos de roubo, extorsão, sequestros e organizações criminosas e às vezes nos deparávamos com uma mulher vítima de ameaça, um crime punível com detenção, que talvez em um contexto de milhares de processos pudesse não ter a atenção adequada, venho aprendendo o quanto isso é relevante, o quanto aquela mulher precisa de um olhar da justiça e de uma resposta do aparelho judiciário, o quão necessário é que os operadores do direito compreendam o ciclo da violência para que possamos dar respostas mais adequadas", disse.
A Defensora Pública Carolina Romani Brancalion frisou que "há muito a ser feito, mas também há muito a ser celebrado. O fato de estarmos aqui já é um motivo de celebração". Ela ainda destacou que, apesar de o rompimento do ciclo de violência ser uma tarefa árdua, "aqui ela pode encontrar um apoio, estamos dispostos a ajudar. Cada um de nós tem o papel de replicar a firmeza contra o que não queremos e a favor do que buscamos: o respeito e a igualdade", disse.
A atual secretária municipal de Agricultura e Abastecimento de Piracicaba e ex-vereadora Nancy Thame, autora da propositura que instituiu no Legislativo os "16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres", lembrou que a atividade foi inspirada no calendário da ONU (Organizações da Nações Unidas) e destacou a importância de torna-la perene: " a gente passa, a gente está no lugar, e a gente tem que fazer valer, fazer com que esses espaços de congregação continuem numa grande corrente. (...) Acho que este e outros espaços podem trazer um ressignificado, um olhar não apenas estudioso, mas de abraçar e estender a mão para tantas outras mulheres que precisam".
Palestra - A solenidade de abertura também contou a palestra da mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), Beatrice Volpato Teixeira, que desenvolve pesquisas relacionadas à temática de gênero e raça dentro da Habitação de Interesse Social.
Teixeira iniciou sua exposição lembrando que o 25 de novembro, Dia Internacional da Não Violência Contra as Mulheres, foi estabelecido no Primeiro Encontro Feminista da América Latina e Caribe, realizado em 1991, em Bogotá, na Colômbia: "foi uma data escolhida para homenagear três irmãs, as irmãs Pátria, Minerva e Maria Mirabal, que eram militantes da luta contra a ditadura de Rafael Trujillo, na República Dominica (1930-1961), que foram brutalmente violentadas e assassinadas. Essa data é tanto para que a luta delas não seja esquecida, mas também para transformar isso em uma data maior", disse.
A palestrante destacou que o caso é apenas um exemplo de tantos outros de violência contra as mulheres: "esse é um exemplo de como a violação do corpo da mulher não é apenas um ato de crueldade, de um indivíduo, que acontece uma vez ou outra em nosso dia a dia. A violação do corpo da mulher e a violência doméstica fazem parte do processo de controle e subalternização de um gênero pelo outro", apontou.
Ela ainda teceu paralelos com aludidos crimes cometidos durante o regime militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985 e disse: "os ditadores e seus braços foram anistiados. Nenhum torturador e estuprador foi, sequer, indiciado. A violência sexual e a tortura cometidas durante aquele período não foram consideradas crime. É esse o contexto social que a gente vive. É essa a mensagem que a gente envia para a população", analisou.
Ainda segundo a pesquisadora, a violência contra as mulheres também possui um nítido recorte social e de raça: "as mulheres ganham os piores salários e as mulheres negras, salários piores ainda. Se mora na periferia ou no campo, igualmente pior". Ela ainda acrescentou: "muitas mulheres acabam se submetendo a relacionamentos violentos pois elas não tem como sair desses relacionamentos, não conseguem, por exemplo, se manter sozinhas. A estrutura familiar, atualmente, não se dá apenas pelo laço do amor, mas também porque está caro viver, pagar aluguel e as demais contas, fazer as compras. Por isso a mulher de baixa renda não consegue sair de um relacionamento abusivo, pois, se sai de casa, não tem outro lugar para ir".
Por fim, Beatrice apontou como saídas para o fim deste tipo de violência a mobilização coletiva, "repensar as tradições e costumes, enfrentar o machismo e o racismo diários, bem como a LBGTfobia, o capacitismo e tudo aquilo que oprime o povo e, além disso, buscar aliados e garantir a socialização da riqueza que a gente mesmo produz", além de diversas ações e iniciativas do poder público voltadas à ampliação do atendimento às mulheres vítimas de violência.
Ao término da palestra, a advogada Zaira Barakat Pimentel, que desde 2017 atende a mulheres em situação de violência doméstica no CRAM Piracicaba, foi homenageada pela Procuradoria Especial da Mulher da Câmara Municipal com um quadro comemorativo alusivo à sua atuação.
Após agradecer a honraria e destacar o trabalho conjunto desenvolvido pela entidades presentes, a advogada concluiu seu discurso com uma frase do poeta libanês Khalil Gibran: "todo trabalho é vazio, a não ser que haja amor", "e no CRAM também existe amor", acrescentou.
A solenidade alusiva ao início dos "16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres" pode ser vista no vídeo no início desta matéria.