29 DE ABRIL DE 2022
Vereadores aprovaram substitutivo à proposta original enviada pelo Executivo, excluindo artigo que aplicava os 10,56% aos subsídios do prefeito, vice e secretários.
Três reuniões extraordinárias foram realizadas entre a tarde e a noite desta sexta-feira
Após quatro horas e três reuniões extraordinárias, a Câmara Municipal de Piracicaba aprovou a recomposição salarial de 10,56% ao funcionalismo, referente ao período que vai de março de 2021 a fevereiro deste ano, e a possibilidade de os servidores que aderiram à greve escolherem, entre seis alternativas, como compensarão os dias de falta ao trabalho, sem qualquer desconto pecuniário.
As discussões em plenário tiveram início às 16h40 desta sexta-feira (29) e foram acompanhadas pelo público que lotou a galeria e ocupou o hall de entrada do prédio principal da Câmara. Após diversas manifestações na tribuna, os vereadores aprovaram o substitutivo da CLJR (Comissão de Legislação, Justiça e Redação) ao projeto de lei 92/2022, de autoria do Executivo, que agora segue para a sanção do prefeito Luciano Almeida (União Brasil).
A recomposição em 10,56% atende a despacho do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, exarado no último dia 27, e é extensiva aos servidores inativos e pensionistas. O percentual será aplicado retroativamente a 1º de março deste ano, conforme a data-base do funcionalismo público municipal, e leva em conta as perdas inflacionárias entre março de 2021 e fevereiro de 2022, baseada em três índices nacionais: IPC, da Fipe, e INPC e IPCA, do IBGE. Já o pagamento da reposição salarial referente ao período de março de 2019 a fevereiro de 2021 e que completa os 21% de recomposição salarial reivindicados pelo funcionalismo segue "sub judice".
Sob a alegação de "inconstitucionalidade" (em parecer emitido pela CLJR em conjunto com a Comissão de Orçamento e Finanças da Câmara), a redação do substitutivo eliminou o artigo 2º da proposta original assinada pelo chefe do Executivo, que previa estender a aplicação da recomposição de 10,56% também aos agentes políticos da administração municipal: prefeito, vice, secretários municipais, chefe de gabinete, procurador-geral e presidentes de autarquias e empresas públicas.
Segundo Luciano Almeida, como a remuneração do prefeito delimita o máximo que pode ser pago a um servidor público, a correção dos subsídios dos agentes políticos permitiria elevar o teto do funcionalismo, congelado desde 2015, situação que hoje afeta "ao menos 100 servidores, principalmente da área da saúde". "Verifica-se na jurisprudência a vedação à alteração do subsídio dos prefeitos, vereadores e secretários no curso da legislatura, ainda que por meio da revisão geral anual, em razão da 'regra da legislatura', segundo a qual o subsídio deve ser fixado em uma legislatura para a subsequente", afirma o parecer conjunto das comissões.
O documento cita, ainda, outros dois embasamentos legais. O primeiro, uma resposta do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello a provocação anterior feita pela própria Câmara: "Revela-se inconstitucional a vinculação dos subsídios devidos aos agentes políticos locais (prefeito, vice-prefeito e vereadores) à remuneração estabelecida em favor dos servidores públicos municipais". E o segundo, a lei municipal 9.266, de 19 novembro de 2019, que fixou os subsídios do prefeito, do vice e dos secretários municipais para a legislatura 2021-2024 e que "não prevê a revisão geral anual para os agentes políticos".
EMENDAS - Com o voto da maioria dos vereadores, junto com o substitutivo ao projeto de lei 92/2022 foi aprovada emenda que possibilita ao servidor que aderiu à greve, deflagrada no último dia 1º, definir, a seu critério, como compensará os dias parados. São seis alternativas (veja ao final desta matéria), pelas quais o trabalhador repõe as horas sem sofrer desconto em seus vencimentos.
A possibilidade foi acrescentada ao substitutivo por meio da emenda 2, apresentada pelos vereadores André Bandeira (PSDB), Cassio Fala Pira (PL), Paulo Campos (Podemos), Pedro Kawai (PSDB), Rai de Almeida (PT) e Zezinho Pereira (União Brasil). Ela havia recebido parecer contrário da Comissão de Legislação, Justiça e Redação, o qual, colocado para votação em plenário, acabou sendo rejeitado por 11 votos a 10, o que regimentalmente permitiu que a emenda 2 fosse, na sequência, apreciada pelos vereadores e, então, aprovada por 11 votos a 10.
Já a emenda 1, também redigida por Bandeira, Cassio, Campos, Kawai, Rai e Zezinho, teve o parecer contrário exarado pela CLJR acatado pela maioria dos vereadores (12 a 9) e, portanto, ficou prejudicada, sem validade. Ela estabelecia que o restante da recomposição pleiteada pelo funcionalismo (um total de 21%, correspondentes às perdas inflacionárias de março de 2019 a fevereiro de 2022) fosse pago em mais duas parcelas: 3,17% em julho deste ano; e 6,30% em março do próximo, acrescidos da reposição inflacionária de 2023.
A proposta do governo Luciano Almeida, rejeitada pelos servidores públicos na negociação liderada pelo sindicato da categoria, previa pagamento em três vezes: 3,17% a partir de julho de 2022; reposição inflacionária mais 3,17% a partir de julho de 2023; e reposição inflacionária mais 3,16% a partir de março de 2024.
POSICIONAMENTOS - Presidente da CLJR, o vereador Laercio Trevisan Jr. (PL) explicou que o substitutivo à proposta original do Executivo eliminou o artigo 2º a fim de não gerar o risco de, uma vez aprovada a recomposição de 10,56%, a decisão ser novamente contestada sob a alegação de ter destoado da determinação contida no despacho do TJ-SP.
"Não se pode apresentar emenda em substitutivo sobre assunto de decisão do Tribunal de Justiça. É uma liminar que veio para esta Casa, através do Executivo, como 'obrigação de fazer'. A CLJR retirou a ilegalidade do artigo 2º que veio do projeto original, fazendo o substitutivo para que não se prejudique o projeto e não se adie mais o aumento aos servidores públicos de 10,56%", afirmou Trevisan.
O presidente da CLJR disse ainda que, da mesma forma que o prefeito não pode apresentar recomposição para si, seu vice e os secretários, também os vereadores não poderiam sugerir emenda para repor além do índice contido no despacho do TJ-SP. "Não dá para descumprir uma determinação judicial que vem a esta Casa; você vai estar adiando o aumento dos servidores e fazendo parte do jogo político", declarou.
Relator da CLJR, o vereador Wagner Oliveira (Cidadania) observou que o artigo 2º da proposta original do Executivo, "quando entrou na Casa, já foi cortado pela raiz". "Já foi feito substitutivo na hora, assim que entrou. Hoje estamos cumprindo com a nossa obrigação de cumprir a ordem judicial que chegou aqui." Ele justificou também os pareceres contrários da CLJR às emendas 1 e 2. "Se olharmos as emendas, elas não têm nada a ver com esse projeto, são inconstitucionais. Eu vou seguir a lei; somos parte da CLJR e somos responsáveis por isso."
Um dos seis autores das duas emendas, André Bandeira (PSDB) defendeu que ambas "não alteram em nada os 10,56% que o desembargador deu no 'cumpra-se' ao prefeito". Sobre o artigo 2º, usado pelo governo Luciano Almeida como justificativa para reajustar o teto do funcionalismo, o parlamentar disse que o prefeito "deveria encaminhar um projeto em separado versando sobre o tema".
Paulo Campos (Podemos) classificou de "aberração jurídica" o artigo que previa que a reposição fosse extensiva aos agentes políticos do Executivo e sugeriu que, em vez disso, se usassem os recursos para viabilizar os 21% de recomposição reivindicados pelo funcionalismo: "Que se faça a reserva dessa razão para pagar os servidores públicos". Ele defendeu a legalidade das emendas apresentadas por ele e outros cinco parlamentares: "São emendas em que não compete dizer que há vício de iniciativa, pois compete aos vereadores propor emendas".
Rai de Almeida (PT) comentou que "os vereadores possuem, sim", prerrogativas para a apresentação das emendas sem, contudo, invadir ou usurpar competências privativas do Executivo. "Não estamos fazendo planejamento e não estamos interferindo na organização dos serviços públicos. Não estamos fazendo ingerência. Estamos apresentando emendas a um projeto de lei. Esse é o papel que nos foi atribuído pelo voto popular", disse.
Pedro Kawai (PSDB) defendeu a aprovação das emendas, mesmo com o risco de serem vetadas pelo prefeito, já que ainda assim a reposição de 10,56% determinada pela Justiça não ficaria prejudicada, conforme cita o tema 595, exarado pelo Supremo Tribunal Federal, que trata da "promulgação, pelo chefe do Poder Executivo, de parte de projeto de lei que não foi vetada, antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto". "Ele [prefeito] pode até vetar as emendas que propusemos, mas os 10,56% não. Estamos aqui com a lei na mão", disse.
Para Cassio Fala Pira (PL), "o projeto já chegou aqui na Casa morto, pois ele é inconstitucional, ilegal e imoral". Ele também defendeu a derrubada dos pareceres contrários às emendas e lembrou as dificuldades enfrentadas por profissionais de educação e saúde durante a pandemia. Isso, segundo o parlamentar, justificaria a imediata reposição inflacionária.
"O funcionário público é o que faz mover a cidade", falou Zezinho Pereira (União Brasil). Para ele, não há motivos para que o prefeito conteste os acréscimos apresentados ao projeto. "Não sei por que questionar uma emenda que é boa; se o prefeito quiser vetar a emenda, é encargo dele, mas os vereadores precisam derrubar o parecer e aprovar a emenda", argumentou.
O presidente da Câmara, Gilmar Rotta (PP), comentou que a Mesa Diretora se debruçou sobre o projeto de lei do Executivo desde que a matéria chegou à Casa, na quinta-feira (28). Ele esclareceu, em relação ao artigo 2º eliminado pelo substitutivo aprovado, que "o Supremo já proibiu a vinculação de subsídios que o Executivo está fazendo". "Fizemos contato com a Procuradoria [do município] ontem à tarde e passamos isso tudo a eles alertando para essa irregularidade", relatou.
Para Josef Borges (Solidariedade), líder do governo Luciano Almeida na Câmara, "emendas são verdadeiros atos de administração" e, portanto, extrapolam as competências do Legislativo. "Toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuições da Prefeitura é nula, ofensiva ao princípio da separação dos poderes. Por isso é que os pareceres [da CLJR] a essas emendas foram contrários", comentou.
Thiago Ribeiro (PSC) declarou "total apoio" à retirada do artigo 2º e à aprovação da recomposição. "Servidor valorizado, população bem atendida, cidade funcionando: é o que nós queremos”, afirmou o parlamentar. Sobre a greve, Thiago avaliou que "faltou mais conversa". "Infelizmente, acabou ficando uma coisa muito pessoalizada; se não fosse, acho que teríamos muito mais êxito", ponderou.
"O que for melhor para o servidor, é melhor para Casa", defendeu Rerlison Rezende (PSDB), acrescentando que "a recomposição salarial não deve ser vista como algo político, porque o servidor não é político, ele serve à população". Ele citou aumentos no custo de vida, como os recentes reajustes em convênios e planos de saúde privados, para ilustrar a necessidade da reposição inflacionária.
Para Fabrício Polezi (Patriota), a aprovação dos "valores controversos" da reposição inflacionária (ou seja, o que falta para chegar aos 21% reivindicados pelo funcionalismo) poderia fazer as despesas com pessoal chegarem próximas ao limite prudencial de gastos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscais. "Quando se dispara o gatilho do limite prudencial, esse controle intermediário, são imputadas sanções administrativas: fica-se impedido de criar novos cargos, conceder reajustes, contratar horas extras."
"Não vou cometer a irresponsabilidade de aprovar uma emenda ilegal", disse Gustavo Pompeo (Avante), ao ocupar a tribuna na sequência. Para o vereador, apenas o valor definido como incontroverso pelo TJ-SP (isto é, os 10,56% aos servidores públicos) é que deveria ser colocado em votação. "Entendo que a matéria pedida pela Justiça é a mesma que deveria ser enviada pela Câmara, sem ser colocado nada, inclusive a questão dos subsídios."
REPOSIÇÃO - De acordo com a emenda 2 aprovada junto com o substitutivo ao projeto de lei 92/2022, as faltas ao trabalho decorrentes da greve deflagrada pelos funcionários públicos municipais poderão ser compensadas, conforme a escolha do servidor, em cada secretaria ou órgão da administração municipal das seguintes formas:
1) Reposição diária de, no mínimo, 30 minutos e no, máximo, 2 horas, antes ou depois do seu expediente normal, em planilha de apuração a ser elaborada pelos gestores dos recursos humanos da municipalidade, abrangendo o ano em curso e os posteriores;
2) Desconto dos dias em férias anuais vencidas ou a vencer;
3) Desconto dos dias em férias-prêmio vencidas ou a vencer;
4) Desconto dos dias, de uma só vez, do total das faltas abonadas que possam ser usadas no corrente no ano e nos seguintes, se necessário, até completar o ciclo de reposição;
5) Desconto dos dias trabalhados extraordinariamente em campanhas institucionais promovidas pela municipalidade e os dias laborados em favor da Justiça Eleitoral, cujas horas trabalhadas terão o acréscimo de 100% sobre a hora normal;
6) Desconto, com a concordância do gestor responsável, em atividades além da carga horária diária, inclusive aos sábados, pontos facultativos e feriados (nesses últimos com o acréscimo de 100% sobre a hora normal), ministrando aulas, cursos e palestras ou em substituição de profissionais da sua área de atuação.
A emenda também cita ser possível, além dessas seis alternativas, a escolha por outra modalidade de desconto "que seja favorável à administração municipal e ao servidor optante, mediante acordo entre as partes, homologado pelo sindicato da categoria".