30 DE NOVEMBRO DE 2022
Encontro com líderes de diversas denominações religiosas, promovido pela Procuradoria Especial da Mulher, foi realizado na tarde desta terça-feira (29)
Encontro de líderes religiosos aconteceu na Sala B do Prédio Anexo da Câmara, na tarde desta terça-feira (29)
Líderes religiosos de Piracicaba e região, de diferentes denominações e doutrinas, participaram, na tarde desta terça-feira (29), de um encontro voltado para a discussão sobre os diversos olhares da fé para a questão da não violência contra as mulheres.
Promovido pela Procuradoria Especial da Mulher da Câmara Municipal de Piracicaba, que integra a Rede de Atendimento e Proteção às Mulheres de Piracicaba, o encontro faz parte dos "16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres", campanha inspirada no calendário da ONU (Organização das Nações Unidades) e aprovado pelo Legislativo piracicabano desde 2017.
A roda de conversa com os líderes religiosos foi organizada pelo gabinete das vereadoras Rai de Almeida (PT) e Sílvia Morales (PV), do Mandato Coletivo "A Cidade é Sua", e foi mediada pelo assessor parlamentar Alexandre Bragion.
Na abertura do evento, Rai de Almeida classificou o encontro como "desafiador" e disse que "essa é primeira vez que fazemos uma atividade dessa natureza". Segundo a vereadora, a ideia do evento é buscar a reflexão, "entender como estão as mulheres nesses espaços, como as mulheres praticantes de diferentes religiões são atendidas pelas suas lideranças quando acontece algum tipo de violação de direitos, seja dentro ou fora do espaço dos templos e igrejas".
Pluralidade de olhares - Joana D'arc Filleto, representante da Brahma Kumaris Piracicaba, que tem como filosofia basilar o Raja Yoga, lembrou que a instituição, desde sua fundação, na década de 1930, na Índia, traz as mulheres para seu centro de comando e tomada de decisões: "as mulheres ficaram com a parte administrativa, de conduzir a organização, e os homens que a frequentavam tinham outros trabalhos, que não era na frente administrativa, mas de uma forma mais incógnita, como por exemplo na limpeza e alimentação".
Ainda segundo a líder, além de fomentar o protagonismo feminino na tomada de decisões dentro da instituição, a Brahma Kumaris tem como princípio a não violência, em todos os aspectos da vida. Ao entronizar o abandono à agressão e à violência, segundo a religiosa, as relações tendem a se tornar menos conflituosas: " A violência é um meio utilizado pelos indivíduos para expressar a raiva, a ganância, a arrogância e o apego. Usam a força, há embate de raiva com raiva, e isso gera crime, tanto para a pessoa humana quanto para a natureza. Fica nessa discussão, e o que é necessário, realmente, não é revelado, que é justamente a paz, o respeito e amor. Isso fica escondido", disse.
Para o Pastor Júlio Carneiro, da Igreja Evangélica Apostólica Vida em Jesus, a violência contra as mulheres não pode ser encarada fora de um contexto social e cultural. Ele citou como exemplo a bíblia que, na sua interpretação, "foi construída dentro de um contexto machista" em que as mulheres, em alguns casos, não são tratadas em pé de igualdade com os homens.
Segundo Júlio, essa interpretação mais excludente do papel das mulheres se perpetua, ainda hoje, em muitas igrejas: "algumas são machistas, onde a mulher não pode nem ser pastora. Ela não pode subir em um altar, não tem seu direito pleno nem dentro da Igreja". Ele ainda acrescentou: "eu não falo por todos os pastores, é claro, mas na minha interpretação, o direito da mulher no cristianismo está sendo cerceado dentro de uma grande parte de igrejas que, talvez, não queiram que a mulher tenha voz, e isso vai refletir dentro das suas casas", ponderou
Para o sociólogo e integrante da diretoria da União das Sociedades Espíritas Intermunicipal de Piracicaba, Wilson Roberto Garcia Júnior, na doutrina espírita, "nós nos manifestamos materialmente como homens e mulheres mas, no plano espiritual, não há reprodução. Espírito não produz outro espírito. A reprodução é algo meramente biológico, físico. Só Deus produz espíritos, a vida. E, nesse sentido, partimos de uma visão de igualdade plena entre o homem e a mulher".
Para Garcia Júnior, ao citar atendimentos fraternos a mulheres vítimas de violência, muitas vezes apenas a conversa e o aconselhamento não dão conta da complexidade dos casos: "quando nos deparamos com essas situações, procuramos incentivar essas mulheres a conversarem, resolverem essa situação. Nós vamos orienta-las a trazerem seus companheiros para que possamos conversar separadamente, para entende-los", e citou Paulo Freire: "temos que libertar o opressor da condição de opressor, devemos ter empatia nessa circunstância até mesmo com o opressor, trazendo-o para perto de nós. Em alguns casos temos sucesso e, em outros, não. Se essa violência permanece, a orientação é que elas procurem um serviço de apoio, como o Cram (Centro de Referência de Atendimento da Mulher" ou a Delegacia da Mulher".
Laurilene dos Reis Almeida, Reverenda da Igreja Metodista, frisou durante o encontro a importância do diálogo entre as diversas religiões, "para procurarmos caminhos que facilitem a vida de tantas mulheres, pensarmos na condição das mulheres que estão nos rodeando, pensar em sua plenitude e autonomia. (...) É uma coisa nova que chega para a vida da igreja, não sei se para as igrejas aqui representadas, mas é uma coisa nova você discutir, ter um espaço para debater a violência contra a mulher, que por um bom tempo foi naturalizada".
Ela citou uma série de ações desenvolvidas pela Igreja Metodista, em diversas esferas de atuação, voltadas à não violência contra as mulheres, a exemplo de campanhas voltadas à arrecadação de absorventes íntimos voltado ao combate à pobreza menstrual e da campanha "Eu uso preto", "um protesto internacional em que as mulheres metodistas, no mundo todo, na quinta-feira, elas são desafiadas a usar preto e dizerem que são contra a violência e contra o estupro".
Pároco na cidade de Santa Bárbara D'Oeste, o Padre católico Paulo Saraiva, lembrou que, "talvez um dos piores males do ser humano seja a violência". Segundo o padre, a percepção cristã do mundo "chama para a mudança de mentalidade", para a valorização da vida, "e a violência contra a mulher é algo que ofende o coração de Deus, e deve ofender o coração de quem crê em Deus". Ele ainda destacou que "muitas pessoas acham que crer é ter uma ideia, mas crer é ter atitude", disse.
Para o religioso, apesar da existência de diversos grupos dentro da igreja, como de jovens e de casais, muitas vezes as mulheres vítimas da violência têm dificuldades e mesmo vergonha para relatarem abertamente esses casos. "Muitas vezes, quando a mulher procura um padre para uma confissão, ela acaba externando essa realidade da violência e nós, na medida do possível, devemos preservar a família, mas sem preservar a violência, e temos que dar os encaminhamentos necessários e possíveis", analisou.
Ele ainda completou: "as pessoas têm, na tradição católica, o sacramento do matrimônio como eterno. O que as pessoas não sabem é que também há a necessidade de se perceber se esse sacramento foi válido. A realidade do matrimônio cristão, enquanto sacramento, é de que a mulher está sob a missão do esposo, que tem a missão de cuidar dela e faze-la feliz a seu lado".
Lígia Flávia Alves de Souza, a Mãe Pequena, do Templo de Umbanda União dos Orixás, também reforçou a importância do encontro e da abertura de múltiplos espaços voltados à discussão da violência contra as mulheres: "está na hora de ganharmos mais voz, de mais mulheres se apresentarem e de as religiões abrirem espaço para que isso seja conversado com menos medo, para que possamos falar das dores e traumas pelos quais passamos".
Ela também citou algumas ações adotadas, dentro do terreiro, voltadas para mitigar eventuais agressões e violações: "nós seguimos a tradição, a hierarquia, mas quando uma mulher se apresenta ao dirigente da casa, ela vai com outra mulher presente. Os cuidados religiosos também sempre são feitos com outra pessoa presente, mas antigamente não existia isso. (...) Já vivenciei algumas situações em que filhas de santo sofreram agressão verbal e física e, na época, não existia esse canal de fala. Em outra época, um filho de santo não chegaria e diria: "vamos abrir um processo contra essa pessoa". Hoje temos esse canal de fala, temos vocês, autoridades, abrindo espaços para nos expormos", analisou.
Reflexos para a sociedade - Ao término do evento, Sílvia Morales fez um balanço dos diversos posicionamentos trazidos: "o que todos falaram foi a convergência para o amor, para a tolerância, para a igualdade. Trazer todo mundo para essa roda de conversa, colocar todos na mesa, é algo que não tem preço", disse a parlamentar
"Essa conversa trouxe um pouco de como é esse cotidiano dentro das igrejas, esse olhar para que nós possamos, de fato, atingir essa quietude, esse autorrespeito, essa autonomia das mulheres, para chegarmos a um nível de evolução, como foi falado aqui, sem que violemos o direito um do outro", concluiu Rai de Almeida.