23 DE NOVEMBRO DE 2021
Das recordações que marcaram infâncias ao noivado transmitido ao vivo pela TV Câmara, história de 90 anos da empresa é exaltada em solenidade promovida por Gilmar Rotta.
Ricardo Martini, atual dono da Doces e Conservas Martini, pede Michele Novembre em casamento, durante a solenidade promovida pela Câmara
E o que era doce acabou —em pedido de casamento.
À frente da empresa que há nove décadas marca gerações com os sabores de quitutes tradicionais, Ricardo decidiu tornar memorável também o momento de trocar alianças com Michele —sua companheira, há quase dois anos, de vida e trabalho.
Ele, neto de Agostinho Martini, da família que deu fama a paçocas, pés-de-moleque, cocadas. Ela, de sobrenome Novembre, parecido com o mês cujo dia 23 passa a ser inesquecível.
— Queria dizer que te amo. Casa comigo?
E o "sim" de Michele (veja no minuto 55 do vídeo 1), surpreendida em público durante a solenidade, na Câmara Municipal de Piracicaba, promovida pelo vereador Gilmar Rotta (Cidadania) em homenagem aos 90 anos da Doces e Conservas Martini, repetiu a resposta de quem, no início da pandemia, topou ser parceira de Ricardo na travessia da empresa, antes com dezenas de funcionários, pela fase mais difícil de sua história, iniciada em 1931.
— Agora, mais recentemente, com a pandemia, a gente teve que dar uma reduzida, mas não parou. Do mesmo jeito que a guerra não segurou meu avô, a pandemia não vai segurar a gente agora. E eu agradeço à Michele. Deus a colocou na minha vida, pouco antes de a pandemia começar. E, se não fosse ela, a gente não estaria aqui comemorando. Te amo, Michele.
Das lembranças que marcaram a infância de milhares de pessoas, na Piracicaba do século passado, ao pedido de casamento transmitido ao vivo pela TV Câmara e acompanhado via redes sociais na noite desta terça-feira, a presença dos doces Martini como pano de fundo de momentos que ficam guardados na memória foi o ponto mais destacado na homenagem à empresa.
— É uma história de união familiar em torno de um propósito —disse Ricardo. — Não é um produto, é um propósito: estamos vendendo felicidade e alegria, transformando pessoas que, ao longo desse tempo, criaram um laço afetivo em torno do doce.
Em vídeo produzido pelo Departamento de Comunicação Social da Câmara (veja no vídeo 2), ex-funcionários recordaram os anos de trabalho sob a chefia de Agostinho, que, para tornar a marca conhecida, ia às ruas vender os quitutes inicialmente feitos por sua mãe, Maria Fantasia, e depois por sua esposa, Joana.
— Levantávamos às 4h e, às 6h, tínhamos que sair para entregar os doces nos bares —relembrou Germano Bertonceli, primeiro motorista da fábrica.
— Eles cuidavam direitinho. A gente estimava ele como um pai e ele nos estimava que nem filhos —disse Francisco Melloto, ex-chefe de confeitaria, sobre Agostinho.
— Minha vida na fábrica foi um aprendizado muito bom. Tenho lembranças bárbaras, gostosas. O avô Agostinho e a avó Joana. Ela fez com que eu aprendesse a fazer bolo, decorações, então tudo o que sei hoje eu agradeço muito aos Martini —comentou Célia Barboza, também ex-funcionária.
O caminho aberto por Agostinho foi seguido por seus três filhos: Aujovil (falecido), João Augusto e Lúcio Carlos. Após uma fase de expansão de seu portfólio, quando chegou a oferecer dezenas de diferentes produtos, a Doces e Conservas Martini esteve prestes a fechar as portas em razão do impacto da pandemia da Covid-19.
Foi quando então Ricardo Martini, filho de João Augusto e há 20 anos trabalhando na fábrica, e Michele Novembre, profissional com formação em gastronomia, decidiram assumir o comando da empresa e reestruturar suas operações, encerrando as vendas no ponto que funcionava no Mercado Municipal e concentrando-as na loja da rua Ipiranga. Além disso, apostaram em novos produtos, inclusive com o lançamento de uma linha fitness, e na divulgação da marca pelas redes sociais.
A consideração à participação dos ex-funcionários na trajetória da Doces e Conservas Martini foi enfatizada por Ricardo, que, na tribuna do salão nobre da Câmara, falou em nome das pessoas reconhecidas por Gilmar Rotta na solenidade em comemoração aos 90 anos da empresa —também foram homenageados Bertonceli, Francisco (representando pela filha, Maria), Renata Martini, João Augusto, Lúcio Carlos e Michele.
— Desde muito pequeno, em vez de ir à escola, eu queria ir para a fábrica e cresci lá dentro. É muito difícil não me emocionar: os nossos funcionários são mais que funcionários —disse Ricardo, com a voz embargada. — Bertonceli e seu Chico eram como irmãos do meu avô: estavam desde as 4h da manhã até o fim do dia. Hoje estou no lugar deles e sinto o quanto eles se sentem felizes por terem participado e o quanto me inspiram.
Autor da solenidade, Gilmar Rotta exaltou a "história de empreendedorismo" da empresa, que se tornou "referência na cidade, no Estado e no país", com "pessoas que não têm medo de avançar e enfrentar os problemas". Ele lembrou que, quando criança, a parada na fábrica da Martini era obrigatória após a aula na escola "Professor Augusto Saes", onde estudava.
— Falar da empresa lembra a nossa infância, principalmente a minha, que morava perto da fábrica. Saía da 'Augusto Saes' e tinha que ir lá, dar um jeitinho de pegar uma paçoquinha, de comer um mata-fome. Sem dinheiro no bolso, eu pedia: 'Dá aquele que está quebrado para a gente, por favor, a gente varre o chão'.
O vereador usou o mata-fome —que, embora não mais fabricado, continua sendo um dos mais lembrados produtos da empresa— como símbolo do espírito da Doces e Conservas Martini.
— Não há como não se encantar com a história de uma empresa que chegou a ter perto de 100 funcionários, que fez de um famoso doce, o mata-fome, um grande sucesso. O mata-fome, segundo eu li, era um reaproveitamento de doces que, no processo de fabricação, quebravam ou tinham tamanho fora do padrão. Eles eram triturados e fazia-se um bolo com um creme por cima. Vejam: ao invés de descartar o que poderia ser desperdiçado, criou-se um grande sucesso. É a mostra de como uma família unida, focada no seu negócio, usou a criatividade, e até hoje deve ter alguém pedindo para o famoso mata-fome voltar.
Também presente na solenidade, o vereador Paulo Camolesi (PDT) rememorou que, na infância, quando morou em sítio, a vinda para a cidade era aguardada por causa da oportunidade de ir a um bar e comprar um dos produtos Martini. "Parece que faltava algo para a gente" e o doce, então, "supria" isso, lembrou o parlamentar.
— Aos 11 anos, eu entregava leite na região do Bairro Alto e me lembro muito da fábrica de doces Martini: queijadinha, creme de leite, pé de moleque, paçoquinha. Ter 90 anos de atividades não é para qualquer um, certamente é porque tem foco, direcionamento e objetivo. Muito obrigado por adoçarem a vida de muitas pessoas —declarou Camolesi.
— Nasci em Charqueada, meu pai tinha um armazém que herdou do meu avô materno e não víamos a hora de chegar a Martini para ter a queijadinha. A Martini fez parte da minha vida e é um orgulho de Piracicaba —disse o deputado estadual Roberto Morais (Cidadania).
— Considero o empreendedorismo o maior agente de transformação de uma sociedade. Tenho certeza de que vocês deixaram um legado forte para a cidade, gerações foram impactadas por aquela iniciativa que, de forma simples e modesta, sobreviveu —comentou Carlos Roberto Martins, empresário e escritor.