PIRACICABA, DOMINGO, 15 DE DEZEMBRO DE 2024
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13 DE DEZEMBRO DE 2024

Bonde da Esalq celebra romantismo da primeira metade do Século 20


Câmara teve papel fundamental para o início do funcionamento do veículo, em 1916, até à cessão do equipamento como um monumento histórico em 1969



EM PIRACICABA (SP)  

Foto: Arquivo Histórico da Câmara Salvar imagem em alta resolução

Bonde da Esalq virou um monumento de um periodo romântico da cidade



Fazia 14 anos que Ermelinda Ottoni de Souza Queiroz tinha inaugurado, em Piracicaba, a instituição que era o sonho dela e do marido, Luiz Vicente de Souza Queiroz. Uma escola de agronomia que levava o nome dele: Escola Agrícola “Luiz de Queiroz”.

Naquele início do século 20, eram limitados os meios de transporte. Os primeiros automóveis a motor da cidade ainda nem tinham chegado. A locomoção dentro do município tinha que ser a pé ou em veículos com tração animal.

Assim como o restante da população, os estudantes de agronomia daquela época se ressentiam de uma alternativa que facilitasse o deslocamento pela cidade e que tornasse mais rápida e até confortável a ida até a Escola Agrícola, lá pelos lados de onde terminava a avenida Carlos Botelho.

Essa necessidade repercutiu na Câmara Municipal. Após meses de deliberação, a Câmara aprovou, em setembro de 1915, a celebração de um contrato entre o poder público e a The Southern Brazil Electric Company Limited, para a concessão, com exclusividade, da exploração do serviço de bondes elétricos na cidade pelo período de 30 anos.

A história deste peculiar modelo de transporte é destaque da série Achados do Arquivo desta semana, realizado pelo Setor de Gestão de Documentação e Arquivo em parceria com o Departamento de Comunicação Social.

O contrato previa a construção de três linhas de bonde: uma partindo do Centro em direção à Escola Agrícola; outra também partindo do Centro e fazendo a ligação com a Vila Rezende; e uma outra indo do Centro à localidade então conhecida como "Bairro da Boa Morte”, que, posteriormente, viria a ser a região do bairro da Paulista.

O prazo para a linha da Escola Agrícola estar em funcionamento era de 90 dias. Portanto, em dezembro era para estar pronta. Ocorre que, chegando dezembro, veio a notícia que, devido à falta de fio de cobre, material necessário para a transmissão de energia elétrica, a empresa solicitou a prorrogação por mais 30 dias para a entrega da linha. Solicitação prontamente atendida pela Câmara.

Encerrado 1915, começava 1916. E já se iniciava com uma novidade: pela primeira vez, um bonde trafegaria pelas ruas de Piracicaba. A inauguração foi no dia 16 de janeiro de 1916, às 13h00. E o trajeto inaugural tinha como destino a Escola Agrícola “Luiz de Queiroz”.

Pelas décadas seguintes, por 53 anos, a linha de bonde da “Agronomia” funcionou de forma ininterrupta. Na segunda metade da década de 1910, bem como nos anos 1920, 1930, 1940, 1950 e 1960, centenas de estudantes da área agronômica fizeram diariamente o trajeto até a Escola Agrícola.

Nos bancos do bonde, amizades foram feitas, nasceram namoros. Atravessando a cidade e as décadas, no bonde se conversou de tudo: duas guerras mundiais; a pandemia da gripe espanhola; o Estado Novo de Getúlio Vargas; um certo Nhô Lica, que pegava pedrinhas do chão na certeza que eram preciosas; a eleição da primeira mulher, Ditinha Penezzi, para a Câmara Municipal; a inauguração de Brasília; o assassinato de John Kennedy; o golpe militar de 1964; a queda do Comurba; Bossa Nova, Jovem Guarda, Beatles, os hippies... até que num dia qualquer de 1969, a conversa foi sobre alguns comentários que vinham circulando na cidade: a possível desativação do serviço de bondes de Piracicaba, incluindo a velha linha da “Agronomia”.  

Com a popularização dos automóveis particulares e com o advento dos ônibus, o que era especulação se confirmou: os bondes trafegaram pela última vez na cidade em 30 de setembro de 1969. Desde então, os simpáticos bondes não seriam mais vistos circulando pelas ruas e avenidas da cidade.

Isso sensibilizou muitos dos ex-alunos da Escola Agrícola, já, nessa época, com o status de Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq). De forma a celebrar a memória do meio de transporte que, por muito tempo, serviu aos estudantes, a Associação de Ex-Alunos da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” procurou o prefeito Francisco Salgot Castillon a fim de solicitar que a Prefeitura cedesse o bonde e o reboque à associação, para que fossem colocados em lugar de destaque no campus.

O bonde era o carro que possuía uma engrenagem em seu teto, que o ligava à rede elétrica e o fazia funcionar. O reboque não possuía essa engrenagem, era conectado ao bonde e por ele puxado, rebocado.

Atendendo à solicitação dos ex-alunos, o prefeito Salgot Castillon apresentou, em 7 de outubro de 1969, para apreciação da Câmara, o Projeto de Lei 84/1969, que dispunha sobre a cessão em comodato à Associação de Ex-Alunos da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’, de um bonde e um reboque, desta Municipalidade.

O projeto de lei deu entrada na sessão de 13 de outubro e, no dia seguinte, foi remetido à Comissão de Justiça e Redação.

Nessa comissão, o vereador Benedicto de Andrade se manifestou, em 3 de novembro, de forma favorável, mas fez o seguinte adendo: “...desde que seja entidade com personalidade jurídica a Associação de Ex-Alunos da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’”.

Esse apontamento fez com que a Câmara interrompesse a tramitação do projeto, a fim de que o presidente da Casa na época, vereador João Fidelis, oficiasse o prefeito, em 12 de novembro, para solicitar a manifestação da Assessoria Jurídica da Prefeitura quanto à personalidade jurídica da Associação de Ex-Alunos.

Quase três semanas depois, em 1º de dezembro de 1969, após se constatar a real necessidade de se fazer uma adequação jurídica no Projeto de Lei, o prefeito Cássio Paschoal Padovani encaminha à Câmara duas emendas, bem como um ofício do professor Ferdinando Galli, vice-diretor em exercício da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”.

Uma observação: quando do início da tramitação do Projeto de Lei, constava como prefeito Francisco Salgot Castillon. Nas folhas seguintes do processo, o nome que aparece como prefeito é Cássio Paschoal Padovani. Essa alteração se deve ao fato de que, no dia 17 de outubro de 1969, o mandato do prefeito Salgot Castillon foi cassado pela ditadura militar.

Quanto às emendas apresentadas pelo prefeito Padovani, ambas tinham como objetivo alterar a ementa e o artigo 1º do Projeto de Lei, no sentido de constar como entidade comodatária a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, ao invés da Associação de Ex-Alunos da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”.

E o ofício do professor Ferdinando Galli, enquanto vice-diretor em exercício da Escola Superior de Agricultura, solicitava que a cessão do bonde e do reboque fosse feita diretamente para a Esalq. Era uma forma de melhor subsidiar o proposto pelas duas emendas.

Assim, no início de dezembro, acompanhado pelas emendas propostas, o Projeto de Lei 84/1969 foi aprovado pela Câmara. Com essa aprovação, nascia a Lei 1.731, de 11 de dezembro de 1969, que “dispõe sobre cessão em comodato, à Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ de um bonde e um reboque desta municipalidade”.

Com autorização legal, o bonde e o reboque foram transportados para as dependências da Esalq e colocados num local próximo ao Edifício Central. No mesmo lugar foi colocada uma placa, pela Associação de Ex-Alunos da Esalq, com os seguintes dizeres:

“A ti, que em memoráveis jornadas acadêmicas nos ajudaste, conduzindo-nos à fonte do saber, a homenagem daqueles que em estátua te tornaram, para perpetuar-te na memória dos que hão de vir.”

É emblemático que o fim das linhas de bonde coincida com o encerramento daquela que é considerada a mais marcante das décadas do século 20. Década que, assim como os bondes, insistiu que se vivesse, e que se sonhasse, um último lampejo de um certo romantismo.

O bonde, imóvel em seu último e eterno trajeto em direção ao futuro, carrega em seus assentos o passado, cuja bagagem repleta de memórias agracia o presente como um passageiro ao mesmo tempo permanente e fugaz.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" se pauta na publicação de documentos do acervo do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo. A iniciativa do Setor de Documentação em parceria com o Departamento de Comunicação Social, com publicações no site da Câmara às sextas-feiras, visa tornar acessíveis ao público as informações do acervo da Casa de Leis.



Texto:  Bruno Didoné de Oliveira
Revisão:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337
Pesquisa:  Bruno Didoné de Oliveira




Achados do Arquivo Documentação Institucional

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