29 DE MAIO DE 2018
Reynaldo Mapelli Júnior participou do Fórum Regional da Judicialização da Saúde
Kawai, que trouxe evento para a Câmara, sugeriu comissão técnica municipal
A judicialização da saúde no Brasil assume dimensões preocupantes, sobretudo por conta do impacto orçamentário nos órgãos públicos. A definição é do promotor de Justiça Reynaldo Mapelli Júnior, doutor em ciências pela USP (Universidade de São Paulo), que esteve nesta terça-feira (29), na Câmara, para participar do Fórum Regional da Judicialização da Saúde, proposto pelo vereador Pedro Kawai (PSDB) e realizado com entidades locais.
Segundo Mapelli, as ações judiciais aumentam progressivamente a cada ano, ainda que o gestor tome medidas para tentar equacioná-las. “Se continuarmos com a judicialização desta forma, vamos destruir o sistema de saúde”, declarou ele, ao se mostrar incomodado com o fato de mais de 60% das pessoas que ajuizaram contra a rede pública estavam e continuaram na rede privada de saúde.
Mapelli Júnior avaliou que o Poder Judiciário descumpre, em bloco, o ordenamento jurídico sanitário. “Não quero dizer, de forma alguma, que o Judiciário não é importante para quem precisa do acesso à saúde. Mas acho que nós, da área jurídica, erramos quando desconsideramos as regras e os protocolos clínicos.”
Na opinião de Mapelli, a judicialização desorganiza as atividades administrativas, especialmente quando o município é obrigado a arcar com algo que é muito alto ou o Estado tem de fornecer uma aspirina, por exemplo.
O diretor do DRS-X (Departamento Regional de Saúde de Piracicaba), Amilton Bonilha, disse das 17 regiões administrativas que possuem DRSs no Estado de São Paulo, a de DRS de Piracicaba está na 15ª posição no número de processos, ou seja, a terceira com menor volume de ações na Justiça. O órgão da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo coordena ações relacionadas a 26 cidades paulistas, divididas nas regiões Piracicaba, Limeira, Rio Claro e Araras, cuja população estimada é de 1,5 milhão.
Para Bonilha, a preocupação está com a falta de informação da população e também dos profissionais de direito. Segundo ele, a DRS-X fez uma lista dos 300 medicamentos disponíveis e como encontra-los, para facilitar a defensoria pública e orientar o usuário, o que pode colaborar para a diminuição das demandas judiciais.
Ele disse que na atenção básica, dos 27 médicos que mais geram a judicialização, 15 são endocrinologistas. “Outro diagnóstico é o de que 11% das demandas judiciais saem da atenção básica, ou seja, do município. Eles deveriam tentar prescrever os medicamentos dos protocolos clínicos farmacêuticos e não marcas.”
Conforme Bonilha, é equivocada a visão de que acionar a Justiça haverá aceleração do processo. “São quase 90 dias quando o tramite acaba sendo correto. Isso demonstra que não é entrar com a ação e tudo vai se resolver da forma mais rápida”, completou.
Ricardo Tedeschi Matos, presidente da APM Piracicaba (Associação Paulista de Medicina), expôs o ponto de vista médico e disse que os profissionais são treinados para salvar vidas. “Dentro do nosso código de ética, temos que recorrer a todos os meios disponíveis. O problema é que no Brasil o profissional da saúde se depara com muitos desafios: começa com a má formação, existe o problema de gestão, o subfinanciamento, a escassez de recursos no sistema. Todos esses fatores acabam tendo como desdobramento a Justiça. É muito difícil você ter um paciente com câncer e não existir o recurso da quimioterapia ou radioterapia.”
A promotora Maria Cristina Marton Corrêa Seifarth de Freitas disse que as considerações de Reynaldo Mapelli Júnior evidenciaram a importância a ser dada pelos profissionais de direito aos protocolos clínicos. “O que tenho procurado é discutir um consenso de atuação, uniformizar os processos, o que tem se agravado porque o MP se manifesta depois da concessão das liminares, mas é algo que precisa ser enfrentado. O ponto é ajustar protocolos e fluxos de encaminhamentos sem onerar demasiadamente os recursos públicos. A gente precisa sim da informação técnica dos médicos para dar um direcionamento”, classificou.
Já o presidente do presidente Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), Renato Françoso Filho, foi enfático ao afirmar que uma pequena parcela da população precisa da judicialização. Ele definiu a questão como “aberração” e disse que o interesse da indústria prevalece. “O interesse é de uma mínima parte dos médicos, financiados pela indústria e pelos laboratórios. Existe o despreparo de operadores do direito e interesses deles em ganhar dinheiro em cima disso, como também existe o despreparo de alguns juízes que se acham no direito de prescrever cirurgias e terapias.”
O encontro teve a presença ainda de Jussara Cristiane Teixeira Bueno, do Grupo Amigos do Diabetes, que sugeriu a elaboração de um fluxograma para uniformizar o procedimento na cidade, além do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Piracicaba, Jefferson Goularte, da defensora pública Carolina Romani Brancalion e de Luciana Canetto Fernandes, secretária geral do Conselho Regional de Farmácia.
Para o vereador Pedro Kawai, o momento é importante na busca para o equilíbrio entre o atendimento e a complexidade do orçamento público. “Mais uma vez Piracicaba mostra o seu DNA na construção de soluções, a partir da junção de pessoas e entidades, apesar de todas as dificuldades que o país enfrenta”, disse o vereador, que sugeriu a criação de uma comissão técnica municipal para acompanhar as questões.
A organização do Fórum Regional da Judicialização da Saúde ocorreu em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, Ministério Público, DRS-X (Departamento Regional de Saúde de Piracicaba), Tribunal de Justiça (via Fórum da Comarca de Piracicaba), APM (Associação Paulista de Medicina) e Grupo Amigos do Diabetes.
(Assista no player à reportagem veiculada pelo "Jornal da Câmara".)