16 DE OUTUBRO DE 2019
Salão nobre da Câmara recebeu mais de 90 pessoas para a primeira aula do curso de Iniciação Política, oferecido pela Escola do Legislativo em parceria com organizações.
Primeira aula do curso de Iniciação Política atraiu mais de 90 pessoas ao salão nobre da Câmara
Um mais um nem sempre dá o resultado que a matemática diz.
Num país dividido, Raíssa Gabriele, de 17 anos, ignora os sinais trocados. Sabe que a soma vem do diálogo. "Nem todo mundo tem vontade de conversar sobre política, acham que o Brasil não tem mais jeito e que vai continuar assim, quando hoje precisamos de mais gente que queira participar e se interessar pela política."
A fórmula que a jovem aluna do Instituto Formar traz consigo tem muito de humanas esperanças ––em tempos de inexatas relações. E digna de ser emoldurada na parede. "Gosto de praticar a empatia, me colocar no lugar do outro, aceitar a opinião contrária, conversar, expressar minha posição em rede social, ver outras opiniões também."
A Raíssa ainda não votou, mas "tem vontade". Igual ao Pedro Guilherme Baldim, que está com 16 anos, estuda mecatrônica e administração na Etec "Coronel Fernando Febeliano da Costa" e vai tirar o título para as próximas eleições. O interesse dele por política começou dentro de casa e foi ganhando corpo com o que absorvia do noticiário de TVs, revistas e jornais.
"Sempre acompanhei política, gosto desde pequeno e tento ao máximo ficar por dentro. Procuro me informar para ter uma opinião posterior", comenta o jovem, que acumula vivências como conselheiro local do Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), por indicação de sua escola, e como líder estudantil na Etec, onde fez chapa para concorrer ao grêmio no ano passado.
Deu a cara para bater, perdeu.
Hoje, coopera com o grupo eleito ––até porque desistir não rima com quem, pelo diálogo, busca construir. "Eu insisto até demais. Quando estou correndo atrás de algo ou tenho uma opinião, sempre vou até a pessoa, tento ao máximo dialogar com ela. Não sou muito fácil de desistir daquilo; continuo tentando."
Da matemática aos relacionamentos, passando pela política, um mais um podem ser nenhum ––mas também podem ser todos, como aprendeu Pedro.
"É válido colocar as ideias em conflito; não que devamos brigar com as pessoas, mas é importante formar uma nova opinião. Duas pessoas com posições diferentes podem conversar, debater sobre um assunto e formar uma opinião às vezes melhor, ter uma conclusão que seja mais responsável, melhor para todos, e assim vamos formando a democracia."
INICIAÇÃO POLÍTICA - Raíssa, Pedro e outras 90 pessoas participaram, na tarde desta quarta-feira (16), da aula inaugural do curso de Iniciação Política, oferecido gratuitamente pela Escola do Legislativo, da Câmara de Vereadores de Piracicaba, em parceria com a Fundação Konrad Adenauer, o Movimento Voto Consciente e a Oficina Municipal de São Paulo.
A qualificação terá mais dois módulos, cujos conteúdos serão dados nos dias 30 de outubro e 13 de novembro, em eventos no salão nobre da Câmara com início às 14h e transmissão ao vivo pela TV Câmara. Os próximos encontros abordarão ética e futuro da política, direitos essenciais e cidadania, estrutura do estado brasileiro e organização da sociedade.
À frente da aula desta quarta-feira, Pedro Mattosinhos, 27, economista graduado pela UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) com mestrado em economia social pela UFF (Universidade Federal Fluminense), procurou mostrar aos jovens como a política interfere em várias situações do dia a dia e estimulá-los a se engajar nela para além do comparecimento às urnas a cada dois anos.
Mattosinhos apresentou os principais marcos cronológicos que levaram à consolidação da democracia ––cujo estágio atual é acrescido do sobrenome "representativa moderna". Da Grécia antiga aos grêmios estudantis, ele trouxe exemplos de como a civilização se organizou, ao longo do tempo, para viabilizar a participação nas decisões que conduzem um grupo ou toda a sociedade.
"Entendemos a democracia como poder 'do povo', porque de fato pertence a ele; como poder 'pelo povo', porque o povo é o agente desse processo; e como poder 'para o povo', porque, afinal, visa melhorar a vida das pessoas", conceituou o economista, que também é professor dos cursos de política da Fundação Konrad Adenauer.
Mattosinhos lembrou que aquele que viria a ser o regime político mais disseminado no planeta originou-se na Grécia como uma "democracia direta", em que a participação das pessoas na definição dos rumos da comunidade a que pertenciam não era intermediada por representantes escolhidos por elas.
O conceito mudaria no século 17 com a democracia representativa ––pregada por teóricos como o filósofo inglês John Locke, quando os burgueses passaram a ser incluídos nas decisões antes restritas aos nobres–– e evoluiria para o patamar atual com o sufrágio universal, em que o voto ––inicialmente restrito aos homens livres e brancos e só depois extensivo às demais pessoas–– passa a ser um direito de todos.
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA - Mattosinhos observou, no entanto, que as possibilidades de interação das pessoas nos rumos de uma sociedade vão além do direito de votar, graças a maneiras de se organizar que hoje reforçam o conceito de "democracia participativa". Ele citou como exemplos os conselhos municipais, os partidos políticos, as associações de moradores de bairros e, para os jovens em idade escolar, os grêmios estudantis.
"Temos várias formas de atuar politicamente. Na urna, após o voto, aparece escrito 'Fim', mas ali é só o começo de nossa participação cívica, que significa atentar ao que as pessoas que nos representam estão fazendo", disse o professor, que também destacou a importância de instrumentos como as audiências públicas, as manifestações de rua, a proposição de plebiscitos e referendos e a fiscalização da atividade de agentes públicos.
"Quando se juntam cem, mil pessoas na rua, estão se juntando 1.000 votos, que é uma linguagem que aqueles que nos representam entendem. É importante se manifestar publicamente e mostrar o quanto há pessoas que acreditam nessa ideia", defendeu, citando sua prática de cobrar, por e-mails e redes sociais, "deputados em quem votei ou não, pois todos estão ali e têm que nos representar".
A importância dos partidos políticos, alvos de contínuas contestações, para o fortalecimento da democracia foi enfatizado pelo professor. "Os partidos nada mais são que grupos de pessoas que tendem a pensar parecido nos mesmos assuntos. Claro que há divergências, mas, se começamos a enfraquecer as instituições que compõem a democracia, acabamos por enfraquecer a própria democracia."
Apesar do estímulo à participação em partidos, Mattosinhos lembrou aos jovens que "não é preciso estar eleito para agir politicamente". "Política não se faz só na Câmara de Vereadores ou na Prefeitura: se faz na cidade, com as pessoas. Há muitos projetos no município que fazem política e não estão de fato ligados à política institucional. É preciso valorizar a ação cívica, todos somos capazes de fazer a diferença", disse.
O economista defendeu a "ocupação do espaço público", apontando a Câmara como lugar propício para discussões. "A democracia se enfraquece sem a participação popular. A visão crítica de entender como ela funciona é o que a torna forte. Não adianta votarmos em alguém e depois deixarmos para lá. Se não formos atrás e cobrar, dificilmente as decisões serão o que gostaríamos que fossem", refletiu.
INTERAÇÃO - Além de alunos da Etec "Coronel Fernando Febeliano da Costa" e do Instituto Formar, outras pessoas que se inscreveram diretamente no site da Escola do Legislativo acompanharam a primeira aula do curso de Iniciação Política, na tarde desta quarta-feira, no salão nobre da Câmara.
É o caso da assessora parlamentar Letícia Correa da Silva, 20, que veio de Monte Mor (SP). Na parte final da aula, Mattosinhos propôs que os participantes se reunissem em grupos para responder a uma das seguintes questões: "Por que a democracia é a melhor escolha?", "Como viver numa democracia?" e "Qual a nossa responsabilidade em uma democracia e o que cabe ao cidadão fazer?".
Porta-voz de sua equipe, Letícia observou que seus colegas agiram tal qual prevê o conceito de democracia. "Tivemos ideias distintas, entendimentos diferentes de acordo com o que cada um vive." Ficou, então, o aprendizado: "Tentei construir essa consciência de entender cada colocação, talvez não de concordar com o outro, mas aceitar o que ele falou, com respeito. Compreender o pensamento coletivo e não pensar só em si próprio."
Em outro grupo, a professora do ensino fundamental Sônia Maria da Conceição Amaral, 69, chamou a atenção para a responsabilidade de cada pessoa no exercício da democracia. "Temos que cobrar, mas também fazer a nossa parte, não ficar só esperando do governo", disse, para depois listar quatro bases da participação popular: "Respeitar a opinião do próximo, conhecer nossos direitos e deveres, ser um cidadão atuante e saber debater propostas, criando um senso crítico".
O nível de consciência se multiplicou pelos demais grupos. "A democracia permite que busquemos nossos direitos e diminui as desigualdades, aproximando as minorias pelo voto", respondeu uma equipe. "Às vezes, a sociedade acredita que a responsabilidade dela é só votar, quando é preciso também se informar se os políticos estão agindo de acordo com as promessas que fizeram e saber para onde vai o dinheiro que é gasto", pontuou outro.
"Cabe ao cidadão fiscalizar as leis apresentadas pelos seus representantes e verificar se o que vale para mim também vale para o outro, pois pode me beneficiar, mas ao outro não. E também é preciso responsabilidade em escolher um representante, porque ele pode me representar, mas não o outro, e respeitar as leis decididas democraticamente, porque você pode discordar, mas, se não fere seus direitos, é seu dever respeitar", colaborou um terceiro grupo.
Diante do nível das respostas, a vereadora Nancy Thame (PSDB), com formação em engenharia agrônoma, brincou com o público presente na aula, a maioria jovens de até 18 anos. "Que safra boa! Fiquei encantada com as respostas, nos dão esperança", disse a parlamentar, também diretora da Escola do Legislativo, acrescentando que "a construção de uma sociedade melhor depende muito dos jovens".
Vice-presidente da Câmara, o vereador Pedro Kawai (PSDB) enalteceu a abertura ao debate sobre democracia e política propiciada pela Escola do Legislativo. "Ela vem complementar as ações para a aproximação entre a população e o Poder Legislativo. A participação popular é muito importante para nós", disse.
Para Rosimeire Brás dos Santos, professora do Instituto Formar, o conteúdo apresentado na aula inaugural do curso de Iniciação Política "contribui bastante" para o aprendizado dos jovens, que "hoje têm que estar cientes da importância da participação deles na sociedade". "Eles me contam que não têm acesso a isso na escola, sempre me falam que é um assunto que deveria ser ensinado em sala de aula", comentou.