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14 DE MAIO DE 2018

“O papel legislativo é uma arma muito poderosa”, diz analista


Servidor da Câmara dos Deputados, Walternor Brandão ministra, terça-feira (15), palestra no Legislativo piracicabano



EM PIRACICABA (SP)  

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LabHacker da Câmara dos Deputados cria tecnologia voltada à transparência e participação popular. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados



A imagem icônica de manifestantes que subiram na cúpula do Congresso Nacional em 2013 ainda é fresca na memória do brasileiro. Do episódio conhecido como ‘Jornadas de Junho’, muitas demandas tiveram força para chegar aos espaços de decisão política do País. Entre elas, maior Transparência e mais Acesso às Informações Públicas.

Neste contexto, a Câmara dos Deputados, em Brasília, criou o LabHacker, laboratório voltado para desenvolver tecnologias que aproximem a classe política e população. Assim, nasceram iniciativas – que estão em processo contínuo de desenvolvimento – para ampliar as possibilidades de influência nas esferas de decisões.

Walternor Brandão, analista legislativo, atua neste núcleo que une política, cidadania e tecnologia. Nesta terça-feira (15), ele ministrará a palestra “Parlamento Aberto e Participação: a experiência da Câmara dos Deputados”, que integra o período de consulta pública da Câmara dos Vereadores de Piracicaba sobre Transparência e Controle Social.

Nesta entrevista, ele demonstrou algumas das ferramentas criadas para aproximar o cidadão e avaliou a importância do trabalho iniciado em Piracicaba. “Esse é o papel fundamental do Legislativo, além do papel de fiscalização. O papel legislativo é uma arma muito poderosa e que precisa ser mais explorada”, disse Brandão.

Em linhas gerais, o que você pode detalhar sobre a experiência da Câmara dos Deputados com o LabHacker? Quais foram as conquistas desde a criação da Resolução 49, em 2013?
O que dá origem ao LabHacker é uma demanda pontual de ouvir melhor o cidadão sobre o que ele pensa, anseia e sobre políticas públicas e, ao mesmo tempo, comunicar melhor o que estamos fazendo. Isso se dá no contexto das manifestações de Junho de 2013. A partir dali desencadeou uma série de insights para enxergar o desenvolvimento de tecnologias e o processo de trabalho foi a possibilidade do encontro do mundo político e o mundo social com a cultura hacker de ativismo. Depois, vem a proposta de criar um órgão permanente envolvendo deputados, servidores e cidadãos, aí surge o LabHacker, laboratório de inovação da Câmara dos Deputados. Desde então, temos trabalhado de maneira colaborativa e ouvindo o cidadão. A grande missão do LabHacker é encontrar maneira novas e eficazes para ouvir o cidadão e para dar mais transparência aos dados públicos. Não fossem as manifestações (de Junho de 2013), talvez isso não tivesse ocorrido.

Quais foram as aplicações digitais desenvolvidas neste período e como isso tem influenciado a atuação dos parlamentares?
Posso citar duas inovações. O primeiro é o Portal e-Democracia (da Câmara dos Deputados). Dentro dele existem três ferramentas de participação. O primeiro é “Expressão”, fórum aberto onde o cidadão pode acessar e criar uma nova discussão e os deputados participam a partir da contribuição do cidadão. Tem um tópico da Reforma da Previdência, por exemplo, no qual o relator da proposta responde as perguntas enviadas pela população. Tem também o espaço “Audiências Interativas”, espaço em que a gente transmite ao vivo as audiências que acontecem na Câmara e no qual a gente adiciona a possibilidade de serem enviadas perguntas para quem está na audiência. Por exemplo, se o Ministro da Educação está na audiência, o cidadão pode acompanhar a fala e enviar pergunta para ser lida por algum deputado ao vivo, dando o retorno em tempo real. Avançando ainda mais, a terceira ferramenta do e-Democracia é o WikiLegis, onde o deputado coloca o projeto de lei e recebe sugestões da sociedade. Você pode ler a proposta e alterar um determinado artigo, é como se o cidadão estivesse emendando o projeto de lei. A outra inovação que eu posso citar, essa na área de Transparência Pública, é a Retórica Parlamentar, onde criado um algoritmo que faz a leitura de todos os discursos dos parlamentares e o cidadão consegue buscar o posicionamento de um determinado deputado a partir da área de interesse. Por exemplo: você quer saber sobre ‘saúde’, então você clica no assunto e vê quais deputados citaram o tema em um determinado período. São ferramentas boas para o parlamentar e para o cidadão. Elas exemplificam bastante o trabalho do LabHacker, que é o tornar a informação mais palatável e divulgar o que está sendo feito.

Qual a análise sobre os resultados obtidos pelo Portal e-Democracia? Como você avalia a contribuição dos cidadãos nas discussões que acontecem na Câmara dos Deputados?
A partir da participação no Portal e-Democracia, a gente já conseguiu três projetos de lei aprovados com sugestões do cidadão. Um deles foi o projeto de lei que criou o Estatuto da Pessoa Com Deficiência, o qual recebeu 600 sugestões de todo o País. Outro muito importante foi o Marco Civil da Internet, que teve bastante contribuição e a participação da população foi fundamental para manter a proteção dos dados pessoais na rede. Outro projeto foi o que criou o Estatuto da Juventude, proposta da deputada federal Manuela D’Avila (PCdoB-RS), nesta proposta 30% do que foi aprovado é resultado da participação no e-Democracia. A participação é importante porque dá força aos parlamentares, com a posição do cidadão, o deputado tem um argumento forte para usar. Quanto à ferramenta Retórica Parlamentar, o resultado dele está em qualificar o trabalho dos taquígrafos da Câmara (os servidores que fazem a transcrição dos discursos dos parlamentares). Com esse modelo de busca de conteúdo, o site dos discursos dos deputados explodiu em acesso. Neste caso, foi uma junção do LabHacker junto de uma área mais burocrática da Câmara.

Você acredita que a tecnologia pode influenciar a Democracia representativa da maneira como a conhecemos hoje, ao ponto de resultar em uma transformação da cultura política do País?
Já está influenciando. Quando a gente tem essa discussão forte sobre fake news, a influencia de certas agencias e companhias em eleições, a discussão sobre a tecnologia já está presente e o Estado não pode se abster do papel de estar nas redes sociais e ter um canal efetivo nas redes sociais. Muitos estados deixam de criar ambientes virtuais porque pensam que isso não traria resultados, já que o cidadão seria “apático” ou porque depende de conhecimento e desenvoltura, mas, repito, o Estado não pode abster-se de desenvolver este trabalho que, além de tudo, tem papel pedagógico, promove cidadania e capacita o cidadão a atuar politicamente nos ambientes virtuais. A política já está nas redes sociais e o Estado não pode se ausentar. Se ele não se posicionar, ele fica enfraquecido. Estar nas redes é uma necessidade objetiva.

Qual o impacto de uma Câmara de Vereadores, como a de Piracicaba, que está iniciando este trabalho de maior inserção nas redes sociais, ampliando os canais de diálogo com a população?
É muito mais interessante, primeiro, porque as câmaras municipais estão próximas ao cidadão. Uma coisa é a Câmara Federal, que está longe, mas para vocês é mais fácil dar um retorno aos cidadãos quando chama os secretários a dar alguma explicação, por exemplo. Esse é o papel fundamental do Legislativo, além do papel de fiscalização. O papel legislativo é uma arma muito poderosa e que precisa ser mais explorada. E deve ser explorada. Ser uma instituição local é uma vantagem, porque você está próximo da realidade das pessoas com quem vai tratar. 

Quanto a eventuais resistências a esse processo de abertura de diálogo, qual o impacto disso no modelo de representatividade?
Há uma dificuldade de entendimento, mas é bom deixar claro que estas ferramentas não criam uma “Democracia direta”, mas servem para trazer aos parlamentares mais argumentos e mais elementos. A competência legislativa, de tomar as decisões, continua sendo do deputado/vereador. Ele não perde nada de poder, pelo contrário, ele ficará fortalecido, porque ele ouvirá ainda mais o cidadão. Não é um risco, é uma oportunidade para mostrar que ele é atuante e que ouve o cidadão. Cinqüenta por cento da Câmara tem sido renovada a cada eleição, e os novos já vêm com o costume do ativismo digital e nos procuram para saber como podem explorar o nosso trabalho. Eles já vêm com a cabeça pronta para o mundo digital, até porque a cada eleição eles precisam fazer campanha na rede social. A cada eleição tem sido mais fácil conversar sobre estas questões. Depois que você consegue mostrar que ele não perde poder, mas que cria laço de confiança com o cidadão, o trabalho acaba sendo melhor compreendido.



Texto:  Erich Vallim Vicente - MTB 40.337


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